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A História Oculta: Arte, Magia, Transgressão

The Library of Esoterica, de Jessica Hundley
  • Categoria: Religião
  • Publicação: 18/10/2025 14:29
  • Autor: Rogério Cisi

Resumo

Observa-se um ressurgimento significativo do interesse pelo esoterismo, ocultismo e espiritualidade em diversas esferas, abrangendo desde a cultura popular e a arte contemporânea até o discurso acadêmico. Este movimento reflete uma busca coletiva por significado e ferramentas de empoderamento em resposta ao materialismo e ao racionalismo da era moderna. No centro dessa tendência está a série "The Library of Esoterica" da editora Taschen, um projeto editorial liderado pela escritora e curadora Jessica Hundley, que exemplifica a demanda por um conteúdo acessível e visualmente sofisticado sobre tradições metafísicas. A série, que inclui volumes sobre Tarot, Astrologia, Bruxaria e Mundos Espirituais, funciona como uma "chave" para o leitor, combinando arte histórica e contemporânea com ensaios informativos para desmistificar temas complexos.

Na arte, a conexão com o esotérico é uma tradição de longa data, desde a alquimia renascentista até os pioneiros da abstração, como Hilma af Klint e Wassily Kandinsky, cujas obras foram profundamente influenciadas por correntes como a Teosofia. Um conceito central que une arte e esoterismo é a transgressão, onde artistas desafiam cânones artísticos, sociais ou morais sob a inspiração de forças espirituais ou práticas ocultas. Esse fenômeno se manifesta tanto em artistas visionários que canalizam obras inovadoras quanto em performers radicais que utilizam o ritual para subverter normas sociais.

Paralelamente, o estudo acadêmico do esoterismo consolidou-se como um novo campo dedicado à análise do que o historiador Wouter J. Hanegraaff denomina "conhecimento rejeitado" — tradições marginalizadas pelo Iluminismo e pela Reforma Protestante. A academia moderna emprega diversas lentes teóricas (religionista, sociológica, discursiva, histórica) para investigar esses fenômenos não como meras superstições, mas como correntes culturais influentes que desafiam narrativas dominantes sobre a cultura ocidental. Este briefing sintetiza as principais facetas desse renascimento cultural, detalhando seus protagonistas, manifestações artísticas e o rigoroso enquadramento analítico que vem recebendo no meio acadêmico.

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1. A Renascença Cultural do Esoterismo: O Projeto "Library of Esoterica"

A série de livros "The Library of Esoterica", publicada pela Taschen, é um dos principais catalisadores e indicadores do crescente interesse contemporâneo por temas metafísicos. O projeto é editado e "pastoreado" (um termo que ela prefere a "curado") por Jessica Hundley, uma jornalista, autora e cineasta cujo trabalho se concentra em contracultura, psicodelia, música e magia.

Filosofia e Estrutura da Coleção

A missão da série é tornar tradições esotéricas complexas acessíveis a um público amplo, sem dogmatismo e com um elevado padrão estético. Cada volume é concebido como uma "chave" que convida o leitor a uma exploração mais profunda, e não como um texto acadêmico ou um manual doutrinário.

  • Abordagem Jornalística: Hundley aborda cada tema com uma perspectiva jornalística, combinando pesquisa histórica aprofundada com uma paixão pessoal, de forma semelhante a como escreveria "um artigo da New Yorker sobre [sua] banda favorita".
  • Integração de Arte e Texto: Os livros integram mais de 400 imagens por volume, abrangendo desde pinturas rupestres a obras de arte canalizadas contemporâneas. Os ensaios são projetados para complementar a arte, fornecendo contexto sobre artistas, movimentos e fenômenos culturais, permitindo uma compreensão mais profunda das obras.
  • Estrutura Temática: A organização não é cronológica, mas sim temática, justapondo obras de diferentes épocas e culturas (por exemplo, um mural egípcio antigo ao lado de um artista japonês contemporâneo) para demonstrar a exploração universal de certos conceitos. Cada livro possui uma estrutura interna única: Spirit Worlds é organizado como uma sessão espírita, e Sacred Sites como uma peregrinação.
  • Acessibilidade: Um objetivo central é a acessibilidade, tanto em termos de preço (com edições de US 40 e edições de bolso de US 20) quanto de conteúdo, que é apresentado de forma introdutória.

Volumes da Série

A coleção abrange um amplo espectro de práticas e filosofias esotéricas, com cada livro funcionando como "uma biblioteca em si mesmo".

  • Tarot (o primeiro volume)
  • Astrology
  • Witchcraft (co-editado por Pam Grossman)
  • Plant Magick
  • Sacred Sites
  • Spirit Worlds (o volume mais recente)
  • Mystical Beasts (em produção)

A Visão de Jessica Hundley

Hundley se identifica como uma "bruxa" em um sentido expansivo e não dogmático, vendo a bruxaria como uma prática de conexão com a intuição, a natureza e a criatividade. Para ela, o esoterismo oferece ferramentas de transformação e empoderamento.

"Todos são artistas. Vocês estão criando sua própria realidade, sua própria vida."

Ela acredita que a criatividade é uma forma de magia e que "toda arte é canalizada". A série visa capacitar os indivíduos a superar bloqueios e "oferecer sua própria voz ao mundo", algo que ela considera essencial, especialmente em tempos atuais. Hundley enxerga a bruxaria como uma força contrária ao fascismo e ao capitalismo, pois incentiva a busca por respostas internas em vez de externas. O logotipo da série, um "L", "T", "O" e "E" entrelaçados, forma uma chave e um sigilo, simbolizando a missão de "destrancar" o conhecimento.

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2. A Intersecção Histórica entre Arte e Ocultismo

A relação entre arte e ocultismo é profunda e duradoura, servindo como um campo fértil para a expressão de ideias que desafiam a realidade consensual. Ao longo da história, artistas têm usado simbolismo esotérico para explorar o subconsciente, a espiritualidade e o cosmos.

Temas e Movimentos Chave

Movimento/Período

Temas Esotéricos Prevalentes

Artistas Representativos

Renascimento

Alquimia e Astrologia: Símbolos alquímicos (casamento químico) e motivos astrológicos (zodíaco, lua) eram integrados em obras seculares e religiosas.

Pieter Brueghel, o Velho; Jan Steen; Bramantino

Romantismo

Bruxaria e o Sobrenatural: Fascínio pelo arquétipo da bruxa e pelo demoníaco como uma reação contra o racionalismo do Iluminismo.

Francisco Goya, William Blake, Henry Fuseli

Simbolismo e Abstração

Teosofia, Rosacrucianismo, Antroposofia: Essas correntes inspiraram a busca por uma dimensão espiritual na arte, influenciando diretamente o nascimento da abstração.

Hilma af Klint, Wassily Kandinsky, Piet Mondrian

Surrealismo

Ocultismo, Sonhos e Oráculos: Exploração do subconsciente e de realidades alternativas. Artistas como Carrington usaram o oculto para reivindicar o poder feminino através de culturas antigas e deusas.

Leonora Carrington, Max Ernst, Salvador Dalí, Paul Delvaux

 

Transgressão como Catalisador Criativo

O acadêmico Marco Pasi identifica a transgressão como um elo fundamental entre arte e esoterismo. Artistas inspirados pelo esotérico frequentemente usam a transgressão como uma ferramenta criativa para romper com as normas estabelecidas. Pasi destaca duas formas principais:

  1. Artistas Visionários: Artistas como Georgiana Houghton (1814-1884) e Hilma af Klint (1862-1944) transgrediram os cânones artísticos de sua época, alegando receber inspiração de entidades espirituais superiores. Suas práticas, baseadas em mediunidade e automatismo, resultaram em obras que anteciparam a arte abstrata e que, embora ignoradas em seu tempo, hoje são celebradas por sua modernidade.
  2. Radicalismo Estético: Artistas performáticos como Hermann Nitsch (1938-2022) e Genesis P-Orridge (1950-2020) transgrediram explicitamente normas morais e sociais. Suas performances eram rituais mágicos que envolviam fluidos corporais, sexo, automutilação e violência, criando o que foi chamado de "esoterismo subversivo".

Reconhecimento Institucional

O interesse do mundo da arte por esses temas cresceu exponencialmente nas últimas décadas. Exposições de grande porte têm recontextualizado a história da arte moderna, revelando sua profunda inclinação metafísica.

  • "The Spiritual in Art: Abstract Painting 1890-1985" (1986): Exposição inovadora que demonstrou a importância das dimensões esotéricas, místicas e irracionais na arte do século XX.
  • "The Encyclopedic Palace" (Bienal de Veneza, 2013): Trouxe à luz praticantes do ocultismo e artistas esquecidos.
  • "The Occult in the Thyssen-Bornemisza Collections" (2023): Exposição em Madri que reuniu 59 obras para explorar a herança da arte oculta, dividida em seções como Alquimia, Astrologia, Demonologia, Teosofia e Xamanismo.

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3. Perspectivas Acadêmicas sobre o Esoterismo

O estudo acadêmico do esoterismo ocidental é um campo relativamente novo que se consolidou a partir dos anos 1990. Seu objetivo é analisar criticamente um vasto conjunto de correntes de pensamento e práticas que foram historicamente marginalizadas como "conhecimento rejeitado" pela cultura dominante, especialmente após o Iluminismo e a Reforma Protestante. O acadêmico Wouter J. Hanegraaff destaca que o "esoterismo" não é uma tradição única e monolítica, mas sim uma categoria construída por estudiosos para investigar esses fenômenos.

Cinco Abordagens Teóricas Principais

  1. Religionismo: Esta perspectiva, associada a figuras como C.G. Jung e Mircea Eliade, aborda o esoterismo como a dimensão espiritual interior e universal da realidade. É uma abordagem que busca verdades atemporais e é frequentemente inspirada pelas próprias tradições esotéricas, combinando análise acadêmica com uma busca por significado espiritual.
  2. Sociologia: Analisa o esoterismo em termos de formações e dinâmicas sociais. As primeiras abordagens o viam como "mágico" (em oposição a "religioso"), "desviante" ou uma reação contracultural. Conceitos mais recentes, como o "meio cúltico" de Colin Campbell e a "ocultura" de Christopher Partridge, sugerem que essas práticas são mais difundidas e integradas na cultura popular do que se supunha.
  3. Segredo e Ocultação: Foca no papel do segredo, da iniciação e da revelação controlada de conhecimento. Nessa visão, o segredo funciona como "capital social" (Bourdieu), conferindo poder àqueles que o detêm. Embora importante, o segredo não é uma característica universal de todas as correntes esotéricas.
  4. Análise do Discurso: Inspirada por Michel Foucault, esta abordagem investiga como o "esoterismo" é construído discursivamente através de mecanismos de poder. Analisa como as narrativas dominantes (como a ciência e a religião estabelecida) definem a si mesmas ao excluir, marginalizar e rotular outras formas de conhecimento como "irracionais" ou "ocultas".
  5. Historicismo: Esta abordagem estuda a presença empírica de correntes, ideias e práticas esotéricas em seus contextos históricos específicos, sem fazer suposições sobre sua validade espiritual (como o religionismo) ou reduzi-las a meras funções sociais (como algumas sociologias). O "esoterismo" é visto como um rótulo acadêmico pragmático, útil para organizar a pesquisa.

A evolução do campo é descrita por Hanegraaff em três fases: Esoterismo 1.0 (dominado pelo religionismo), Esoterismo 2.0 (uma mudança para abordagens históricas e discursivas) e Esoterismo 3.0 (uma fase atual, marcada pelo debate interdisciplinar).

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4. Manifestações Contemporâneas e o Apelo Popular

O atual ressurgimento do interesse pelo esoterismo é um fenômeno multifacetado, impulsionado por uma convergência de fatores culturais, sociais e tecnológicos.

A Busca por Alternativas Espirituais

A historiadora de arte Susan Aberth explica: "Em tempos de ruptura, as pessoas procuram caminhos alternativos de sustento espiritual. Muitos se sentem desiludidos e alienados pelas religiões institucionalizadas... Então, para onde se voltam? Voltam-se para religiões antigas, para coisas que estavam ocultas e esotéricas." Esse sentimento ecoa uma desilusão com o materialismo e o capitalismo, com o ocultismo oferecendo uma promessa de empoderamento e conexão.

A Comunidade Digital e a Mídia

A tecnologia, especialmente a internet, desempenhou um papel crucial na formação de comunidades e na disseminação de conhecimento esotérico. Jessica Hundley observa que a internet e as redes sociais permitem que pessoas com interesses semelhantes se conectem globalmente, algo que era muito mais difícil em gerações anteriores. Podcasts como Missing Witches e fóruns online como o subreddit r/Mediums funcionam como espaços para aprendizado, compartilhamento de experiências e construção de comunidade.

Literatura Popular e Práticas Atuais

O interesse popular se reflete na demanda por literatura sobre o tema. O fórum r/Mediums revela uma busca ativa por livros que vão desde guias práticos a explorações teóricas e relatos pessoais, incluindo títulos como:

  • Journey of Souls (Dr. Michael Newton)
  • The Medium's Book (Allan Kardec)
  • Opening to Channel (Sanaya Roman e Duane Packer)
  • Livros de médiuns contemporâneos como Tyler Henry.

Essa diversidade mostra um ecossistema vibrante de praticantes e buscadores que interagem com essas tradições de maneira ativa, seja através da leitura de Tarot, do estudo da astrologia ou de práticas de bruxaria e mediunidade. A citação de Yoko Ono, relatada por Hundley, resume o espírito otimista por trás desse movimento: apesar do caos, "há mais pessoas no mundo tentando transformá-lo de forma positiva do que em 1968", em parte devido à ampla disseminação dessas práticas de autoconhecimento.

 

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Anexo. Vídeo explicativo: A História Oculta: Arte, Magia, Transgressão

https://youtu.be/NS1ZxP_nOqE

Você já se perguntou por que o esoterismo, o ocultismo e a espiritualidade estão vivendo um renascimento tão intenso em nossa cultura? Em um mundo cada vez mais materialista, uma busca coletiva por significado, empoderamento e conexão está em pleno andamento, manifestando-se na arte, na cultura pop e até mesmo na academia.

Neste vídeo, mergulhamos fundo nesse fascinante fenômeno cultural para entender suas raízes, seus protagonistas e seu impacto hoje. No epicentro deste movimento, encontramos a deslumbrante série de livros "The Library of Esoterica" da editora Taschen. Liderado pela escritora e curadora Jessica Hundley, este projeto funciona como uma "chave" para desmistificar tradições complexas como o Tarot, a Astrologia, a Bruxaria e os Mundos Espirituais.

Com uma abordagem que une pesquisa aprofundada a uma estética visual impecável, a coleção torna o conhecimento esotérico acessível a todos, tratando a criatividade como uma forma de magia e o autoconhecimento como uma ferramenta de transformação. Mas a conexão entre o esotérico e a criatividade não é de hoje.

Exploramos como essa união histórica moldou a arte ao longo dos séculos, desde os símbolos alquímicos do Renascimento até os pioneiros da arte abstrata, como Hilma af Klint e Wassily Kandinsky, cujas obras foram profundamente influenciadas pela Teosofia. Analisamos o conceito de transgressão, onde artistas visionários e performers radicais utilizam práticas ocultas e rituais para desafiar os cânones artísticos e as normas sociais.

Além da arte, a academia também despertou para o tema. Investigamos como o estudo do esoterismo ocidental se consolidou como um campo sério, dedicado a analisar o que o historiador Wouter J. Hanegraaff chama de "conhecimento rejeitado" – as tradições que foram marginalizadas pela ciência e pela religião dominantes. Finalmente, discutimos por que esse ressurgimento acontece com tanta força agora. A desilusão com as religiões institucionalizadas, a busca por caminhos alternativos de sustento espiritual e o poder das comunidades digitais criaram o terreno fértil para que essas ideias floresçam e conectem pessoas ao redor do mundo.

Junte-se a nós nesta jornada pelo cruzamento entre arte, magia e conhecimento.

Neste vídeo, você vai descobrir:

1. The Library of Esoterica: A série da Taschen que está popularizando o ocultismo.

2. Jessica Hundley: A visão da editora que vê a bruxaria como uma força de empoderamento.

3. Arte e Ocultismo: A influência da Teosofia, Alquimia e Astrologia em artistas como Hilma af Klint, Kandinsky e Leonora Carrington.

4. Transgressão Criativa: Como artistas usam o esoterismo para quebrar barreiras.

5. O Estudo Acadêmico: Como o "conhecimento rejeitado" se tornou um campo de estudo universitário.

6. O Apelo Contemporâneo: Por que a internet e a busca por significado impulsionam esse movimento hoje.

7. Arte, magia, transgressão: a conexão entre o esotérico e a criatividade ao longo da história

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