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Análise Vá e Veja

Pensando o Cinema: Vá e Veja, de Elem Klimov
  • Categoria: Critica de Filmes
  • Publicação: 31/07/2025 17:07
  • Autor: Loide Almeida

Por Loide Almeida – com base nos estudos de Deluze

Existem filmes que assistimos e esquecemos. Outros que levamos conosco por dias, meses e anos. E há aqueles que ficam para sempre. Vá e Veja pertence a essa categoria, dos filmes que permanecem para sempre.

Assistir a Vá e Veja (Come and See, 1985), de Elem Klimov, não é uma experiência fácil — e nem deveria ser. O filme, ambientado na Segunda Guerra Mundial, é construído com imagens perturbadoras, sons cortantes e planos meticulosamente pensados para provocar sensações viscerais. A narrativa nos arrasta para dentro de um universo de horror e desintegração, não apenas histórica, mas também humana.

 Logo nos primeiros minutos (00:00 a 01:31), a atmosfera fílmica evoca algo como uma profecia. A sequência seguinte com garotos brincando entre os escombros parece, à primeira vista, tratar-se de um mundo pós-guerra (até 05:42). Mas a ilusão se rompe: percebemos que a guerra ainda pulsa no fora de campo, nos ruídos, no que não é mostrado diretamente. Aqui, a ausência é uma forma de presença.

A linguagem cinematográfica de Klimov é feita daquilo que Gilles Deleuze chama de imagem pensamento. O que vemos na tela não é apenas o que acontece é o que ressoa dentro de nós. Há momentos em que o som age como signo mental (entre 34:00 e 38:00), transportando o espectador à mesma angústia do protagonista. Um exemplo marcante é o uso da música de Mozart, que intensifica a experiência sensorial e contradiz, com beleza, o horror das imagens.

A montagem também favorece a fluidez entre o tempo e o movimento. Em 56:24, por exemplo, há uma referência circular ao início do filme, como um eco de memória. E em 1:50:00, após uma tragédia que justificaria qualquer reação extrema, o protagonista simplesmente não reage. Deleuze chamaria isso de opsigno: a imagem que expressa a interrupção da ação, o colapso da reação emocional.

Outro recurso recorrente é a imagem-afecção, perceptível no olhar do protagonista (00:54), que encara diretamente a câmera e, por consequência, o espectador. Esse contato visual estabelece uma ponte emocional, quase íntima, entre quem assiste e quem vive. Através de closes e planos f ixos, somos levados a sentir o que ele sente medo, dúvida, pânico, silêncio.

Klimov trabalha habilmente com essa tensão entre o movimento da câmera e a imobilidade do sentimento. O uso do Steadicam aproxima ainda mais o público das cenas, borrando as fronteiras entre ficção e documentário. A estética realista e quase documental do filme colabora para criar uma veracidade incômoda, potente, brutalmente necessária.

Como afirma Deleuze em A Imagem-Movimento, o cinema não apenas pensa o mundo ele nos faz pensar com a imagem. E Vá e Veja é um exemplo eloquente disso. Um filme que não se assiste de forma passiva. Ele te agarra, te sacode, e te obriga a ver. De verdade.

Ao assistir ao filme, você perceberá que o som fica mudo e há um toque leve como ruído. Além disso, a qualidade do áudio diminui no resto de “Vá e Veja”, ajudando-nos a entrar no mundo da guerra

A imagem e a paleta de cores do filme são propositalmente escuras e sombrias. Filmado com luz natural, o resultado é uma textura granulada e densa, que reforça a atmosfera opressiva da narrativa. Essa escolha estética não é acidental, ela se alinha com a intenção do diretor de criar uma experiência visual angustiante, onde a escuridão não apenas ambienta, mas comunica.