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GIALLO: O Slasher italiano e as revistas de mistério

  • Categoria: Cinema
  • Publicação: 02/10/2024 19:25
  • Autor: Marcus Hemerly

Provavelmente, o leitor já se percebeu assistido a um filme italiano, mas com personagens do tipo "Jack", "Susan" ou "Mary" e cujo cenário se descortina em alguma parte do território americano. Derivado do sucesso de público e a grande produção dessa modalidade de cinema nos Estados Unidos, criou-se uma roupagem eminentemente italiana denominada Giallo, ou amarelo, na língua de Dante. Algumas produções,
flagrantemente oportunistas "pegando carona" na popularidade dos filmes de assassinos em seus enlatados estadunidenses, outras, pérolas do gênero nas mãos habilidosas de diretores como Dario Argento, Lucio Fulci, Mario Bava, Lamberto Bava e Sergio
Martino. Inclusive, ao festejado Mario Bava, é atribuído o primeiro filme giallo, “A Garota que Sabia Demais”, (1963), que teria inaugurado o estilo.

Aliás, desde a década de sessenta, eram populares os faroestes italianos situados em planícies americanas, o chamado western espaguete, contando com futuras superestrelas de Hollywood em seu casting, a exemplo das ótimas criações de Sergio Leone, com Clint Eastwood e Lee Van Cleff. Comumente unindo o policial/mistério ao sobrenatural, em películas como o aclamado “Suspiria”, (1977), componente da chamada trilogia das mães de Dario Argento, os mestres italianos conduzem o espectador como maestros regendo uma aria sofisticada ressoando os acordes do medo.

O sabor da nostalgia se intensifica com cenários muito bem configurados, mormente em histórias ambientadas na Europa - à obviedade, não apenas o cenário do novo mundo era utilizado como pano de fundo - lembrando um pouco as produções da Hammer britânica, famosa por seus filmes de terror nas décadas de 60, 70 e 80.

Afinal, o que é Giallo? O termo derivada cor das revistas pulp de crime italianas, com primórdios ainda na era fascista, que eram amarelas e delinearam as feições do que posteriormente amealharia o gosto popular, migrando de formato para os romances policiais e cinema. No plano americano, as antigas revistas de mistério também são lembradas com aconchegante sentimento saudosista. Inolvidável lembrar da celebrada Ellery Queen's Mystery Magazine, intitulada a partir do pseudônimo criado pelos autores Frederic Dannay e Manfred B. Lee desde os anos vinte, nos Estados Unidos, especializada em ficção de mistério e crime. Outrossim, no plano literário mundial, as antologias, coletâneas de trabalhos coletivos, seja em desdobramentos poéticos ou em prosa, vêm servindo de lastro ao surgimento de novos talentos e alcance de público mais abrangente. No Brasil, há quatro anos a Revista “Mystério Retrô” faz sucesso entre os leitores, título baseado no primeiro romance policial brasileiro, ‘O Mystério’, publicado originalmente no ano de 1920 em formato de folhetim, no jornal carioca ‘A Folha’, já extinto. Idealizado pelo biógrafo e embaixador de Agatha Christie em nosso país, o romancista Tito Prates, o periódico estimula a publicação de autores nacionais, consagrados e iniciantes, atuando como relevante fomento à leitura e divulgação da literatura nacional, a partir de financiamento coletivo, denominado Catarse. Por tal ferramenta, que até mesmo vem propiciando o deslanchar de vários projetos que outrora permaneceriam “engavetados”, o apoiador adquire o livro, revista ou mídia, antecipadamente, e a recebe após a ultimação das fases de editoração.

Voltando à sétima arte, algumas produções, de baixo orçamento e qualidade, não há de se negar, receberiam breve repúdio internacional, mas devido a verdadeiras obras-primas, desenharam o reconhecimento dos Gialli, principalmente no cenário norte-americano. Existem alguns elementos pelos quais o subgênero é caracterizado, tais como o enredo geralmente envolvendo um serial killer à solta, cenas de mutilação
explícitas em meio a nudez e erotismo, como em "Banho de Sangue", "O Estripador de Nova York", "O Ventre Negro da Tarântula" e "Delíria". Frequentemente, existe um romance imbuído entre os derramamentos de sangue, exageradamente vermelho e viscoso, (nonsense hiperbólico), facas, cordas e, o que geralmente é citado em qualquer texto sobre o tema, a utilização recorrente de luvas negras quando dos aparecimentos do assassino, apetrechos indispensáveis a um bom giallo.
Alguns filmes dignos de nota, ainda gravitam em torno das nuances psicológicas entre uma apunhalada e outra; entre um enforcamento ou uma cena apimentada que desnuda belos contornos corporais, que na sequência, serão trinchados pelo algoz misterioso. Chavões? Clichés? Fórmula imutável? Talvez, no entanto, uma receita certeira para uma boa diversão sem pretensões. Todavia, situações pontuais podem revelar um filme visceral no quesito violência, mas com um desvelar periférico denso no plano do sus- pense psicológico, ou quando da revelação subjacente à motivação do perpetrador ao passo que sua identidade é revelada.

O tom psicanalítico conjugado ao grafismo e um enredo policial bem construído revelam um bom espécime de apreciação artística em cotejo ao vetor comercial, que até mesmo flerta com eventuais teores hitchcockianos, característica pronunciada em títulos como "Síndrome Mortal", "O estranho Vício da Senhora Wardh", ou "Uma Lâmina na Escuridão". Decerto, a tendência contemporânea à rotulação em constante inovação de nomenclaturas inócuas tais como folk horror, porn torture, found footage entre outros, não descolore a efetiva importância e solidificação do subgênero como legitima fonte de análise e estudo, revestindo-se de premente autonomia. Tal fato é validado pelas constantes homenagens materializadas em produções inspiradas no "amarelo-escuro" italiano, inclusive com características facilmente identificáveis, a título de exemplo, no cinema de Brian de Palma, cujas abordagens psíquicas e o erotismo sempre marcaram suas obras, como nos fascinantes "Dublê de Corpo" e "Vestida para Matar".

Então, como diferenciar o giallo do hodierno policial, ou ainda na tendência italiana, o poliziotteschi? Cabe ao espectador analisar, à obviedade, essa é a beleza das artes e ciências não exatas! Até mesmo o clássico de Argento "Suspiria", pode carregar um sustentáculo conceitual bem superficial do subgênero, ao apresentar mais linhas de terror, mas, novamente, é um exercício de interpretação e assimilação. Por óbvia, é consenso de que o mistério, seja a partir de seu viés sobrenatural ou investigativo, é um gênero imortal por excelência.