Pscircodelia- Contos e Cantos do Maraska (HQ - 2010, Devir Livraria)
- Categoria: Literatura
- Publicação: 27/12/2024 15:00
- Autor: Italo Morelli Junior





Pra quem acha que história de palhaço e música foi novidade em 2024 com Coringa - Delírio a Dois, saibam que o multitalentoso Marcelo Maraska já inaugurou o estilo, mais precisamente em 2010 com a incrível HQ Psicircodelia.
Não é possível ouvir as músicas escritas nos balões dos personagens, mas essas músicas existem e estão devidamente descritas no songbook que encerra a obra, além de um CD multimídia.
Sim, o projeto é completo em todos os detalhes.
O nome, genial junção de circo com psicodelia não poderia ser mais adequado. É uma surpresa e tanto conhecer o impagável palhaço Maraska em uma autêntica saga psicodélica que agrega elementos cricenses e da comédia dell'arte, com muita brasilidade. Afinal, nossa riquesa cultural é imensa e Marcelo sabe muito bem disso.
A introdução das músicas são pontuais e complementam a história, reforçando a emoção de um determinado acontecimento ao invés de simplesmente alongar o roteiro.
E circo tem que ter música e aqui a qualidade das composições é alta.
É assim que a história do quadrinista em crise (com claras referências ao 8 e ½ de Fellini) avança pelas belas páginas da HQ, com seu visual particularmente caprichado, os traços confiantes, a atenção aos detalhes e a direção de arte é por vezes sombria, com passagens sobrenaturais e realismo fantástico.
Aqui tudo pode e tudo é bem vindo.
Maraska é o alter-ego do desenhista, professor e autor da HQ, Marcelo Scaff Marques. É ele o condutor da história, com sua presença sempre cômica e musical, por vezes imponente como se soubesse cada passo misterioso do protagonista e seu destino final, suas atitudes e consequências no decorrer da jornada.
Comandando uma trupe de personagens interessantes, Maraska também representa o artista que é marginalizado e perseguido, aquele que sempre é apontado como o vagabundo de plantão que em nada contribui para a sociedade.
Projeto pessoal de Marcelo, Pscircodelia vem impregnado de muito sonho paixão pela arte, a identificação do leitor com o protagonista é imediata, fazendo brotar um sentimento desconcertante de "já me senti assim por tantas vezes..."
Ao invés de cair na armadilha fácil de uma sequência de clichês mambembes afetados, torna-se um franco retrato de um artista expressando sua vocação, uma verdadeira ode ao mundo artístico com suas delícias e (muitas) dores.
Pscircodelia é uma boa brisa de entusiasmo nesses tempos de inanição pop em que vivemos, ainda carregado de frescor mesmo com mais de uma década de seu lançamento.
Quadrinhos sempre estarão em alta e histórias de palhaço sempre surgem, mas aqui o trato é especial por vários motivos e merece ser conhecido pelo grande público.
www.marcelomaraska.com/2013/12/site-do-maraska.html?m=1
Arlequins, Pierrôs e Colombinas:
Direto da pag do Maraska:
Entrevista com Marcelo Maraska
01. Como surgiu o embrião do personagem Maraska e esse desdobramento em
personagem de carne e osso, músico, compositor e história em quadrinhos?
Acho que as minhas ideias embrionárias sobre coisas audiovisuais começaram a tomar
forma quando eu ganhei um concurso mundial para estudantes universitários. Por causa
disso, representei o Brasil no Japão, apresentando minhas músicas autorais e ilustrações,
quadrinhos – Tóquio, 1989. Foi um contexto meio estranho. Depois de ganhar o concurso
no Brasil, descobri que era patrocinado pelo Reverendo Moon, o que me deixou meio
assustado. Mas, chegando lá, não tinha nada a ver com ele ou a seita esquisita dele lá
(para quem não conhece: imaginem um Edir Macedo fanatizando um povo reaça cristão
anticomuna. Ou seja, certas coisas não mudam). Parecia mais um concurso internacional
brega de beleza para universitários que tinham algum tipo de talento artístico. Mas, enfim...
Eu sempre quis misturar minhas músicas com ideias de quadrinhos ou animação. E depois
dessa experiência, tive certeza absoluta de que queria fazer isso mais do que qualquer
outra coisa na vida. Eu estava bem confiante de que ninguém tinha feito algo parecido
antes. Mas aí vi Tubarões Voadores, onde o Arrigo Barnabé se juntou com o quadrinista
Luís Gê... Fiquei até com raiva na época (risos), principalmente porque eu adorei aquilo.
Claro, St. Pepper’s dos Beatles, com a animação do “Yellow Submarine”, tem algo nessa
linha também, entre outros. Mas enfim, fui maturando a ideia a partir daí…
02. Pscircodelia teve apoio do PROAC (Programa de Ação Cultural do Estado de São
Paulo) em 2009. Houveram dificuldades por se tratar de uma HQ tão original e fora do
trivial? Acha que em pleno 2024 você sofreria algum tipo de censura ou teria seu projeto
negado?
Sim, e o Projeto Maraska venceu duas vezes o ProAC. 'Arlequins, Pierrôs e Colombinas'
teve o apoio também em 2014 (e lançado em 2016), com o mesmo conceito, que já
começou a causar, com os figurinos e máscaras dos personagens de histórias em
quadrinhos nas apresentações e meu trabalho com uma grande pesquisa e referências do
circo e da Commedia Dell’Arte. Representava a ideia do artista mambembe contra o
sistema, zoava com a polícia, as autoridades, que faz parte da Comédia DellArte, aliás. Não
me dei conta na época direito, mas creio que o segundo livro teve mais dificuldade por tudo
isso, quando uma parcela da população anti-Dilma e PT compraram o discurso de que
artista é 'vagabundo e mama nas tetas do governo'
Mas acho que esse tipo de trabalho que eu faço, infelizmente, acabava sempre ressoando
mais nas nossas bolhas mais progressistas, e com certeza nos dias de hoje seria pior, o
nicho talvez esteja mais fechado, pela polarização que ainda não aparecia lá em 2009,
2010. Mas, quem sabe, produções culturais como o filme 'Ainda Estou Aqui' comecem a
mudar esse cenário? Vamos ver.
03. O personagem Maraska parece estar em algum lugar pronto pra dar as caras com seu
violão em punho e proferindo sua cantoria. Se ele voltar, estará mais desiludido ou o mundo
como está agora, em particular o nosso Brasil, já é fonte de combustível pra um Maraska
reformulado e fortalecido?
Acho que ele está sempre lá, pronto. Quando visto o palhaço trovador, eu sinto que não sou
eu que estou lá, é como se ele fosse uma “entidade". Acho que é daqueles casos em que o
autor não tem total controle do personagem e acho isso ótimo. Ele é mais criativo, improvisa
mais. E acho que ele pode até estar mais desiludido, mas como um bom palhaço, vai lidar
com isso usando a ironia e o sarcasmo, a poesia que existe em toda a arte. Ele é um
“contador-cantador-desenhador” de histórias, e todo o artista, na minha opinião, é um
espelho do seu próprio tempo e conscientemente ou não, faz a alegoria da sociedade em
que vive. E essa desilusão é o combustível. Ou seja, a desilusão, propriamente dita, ela
dura pouco, se torna resistência, engajamento, luta, denúncia. E como artista e indivíduo,
posso ser realista, mas não me acho pessimista. Se eu não acreditar em mais nada, porque
vou continuar a fazer qualquer coisa? Sim, sem dúvidas, o Maraska se fortalece com tudo
isso, pois essa é sua premissa.
04. Quais são suas inspirações artísticas? É nítido que Pscircodelia não se atém apenas ao universo das HQs…
Putz, acho que eu acabei falando um pouco de algumas influências nas outras respostas,
né?
Bem, não é só das HQs, mas tem muito delas. Eu comecei como todo moleque da minha
idade, com quadrinhos de super heróis e era fanático pelo Homem-Aranha. Mas depois que
conheci os quadrinhos europeus, Moebius, Liberatore, Uderzo, Bilal, tantos outros, essa
influência começou a mudar. Um grande impacto na minha vida, e que estimulou esse
conceito multimídia, foi assistir ainda adolescente o filme “Heavy Metal: Universo e
Fantasia”, um desenho animado para adultos e com muito Rock. Por isso, acabei
trabalhando com animação também.
Ao mesmo tempo, a minha ligação com a música Brasileira, com a MPB, sempre foi muito
forte. Enquanto eu me vejo como desenhista quase “desde bebê”, a música veio pelo fato
da minha mãe ser pianista e veio mais forte a partir da minha pré-adolescência. Mas, invés
de seguir o piano, eu logo preferi tocar violão e guitarra pra me acompanhar cantando. Era
mais prático. E eu cresci ouvindo groove, muito Tim Maia, Cassiano, Earth Wind & Fire,
James Brown e tudo mais. As minhas composições são uma salada disso tudo. Mas já
compus um pouco de tudo. Parei de contar quantas eu já fiz quando eu já tinha composto
umas 300 canções. Compor é tão vital como fazer HQs para mim. Aliás, tudo é composição,
no terreno artístico.
Falando em arte, como arte educador, a influência das Artes Visuais foram permeiam tudo
isso. E tudo que eu disse, sobre a influência do Circo, da Commedia Dell’Arte, do cinema.
Aliás, meus quadrinhos são audiovisuais pelo meu fascínio pelo cinema. A minha música
funciona como trilha sonora dos meus quadrinhos. E os meus quadrinhos são como um
“storyboard” para um filme. Mas também podem ser para uma peça ou para as
performances que o Maraska e sua trupe já fizeram por aí.
05. Pra terminar, o que você diria para um jovem que está em seus primeiros traços e sonha
um dia se tornar um quadrinista reconhecido?
Eu na verdade faço muito isso na vida, “dar conselhos”... sou arte educador há uns 30 anos
e tenho alunos por aí que já ficaram bem mais importantes que eu (risos), uns ganharam
até troféus HQMix pela vida, entre outros prêmios, etc. O que eu disse pra eles e continuo
dizendo para os novos aspirantes a quadrinistas parece não ter mudado muito: Não pense
que é fácil, pois não é, não é mesmo. E isso nunca deveria ser motivo para desistir ou se
frustrar. Claro, por alguns momentos, tudo bem, a gente se cansa, quer jogar tudo pro alto.
Mas se você realmente tem tesão por essa área, tudo isso se torna um desafio constante. E
nunca pare de estudar, de treinar, de conhecer, de se reinventar, de sair “fora da caixinha”.
O dia que você achar que aprendeu tudo… bem, aí, você morreu. Se você acha que sabe
tudo, há algo de muito errado com você. Ou está na área errada ou não entendeu que “a
beleza da vida é que nunca paramos de aprender algo, todo dia”*. (*alguém já deve ter dito
essa frase antes, por isso coloquei entre aspas. Mas já procurei e nunca encontrei um
autor…).
Acho que é isso!
Marcelo Maraska
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