REBOBINE A MEMÓRIA
Entre o chiado das fitas e o silêncio do streaming, o que o tempo levou do cinema que vivia em nossas casas?
- Categoria: Cinema
- Publicação: 23/10/2025 16:21
- Autor: Loide Almeida
Com o avanço do streaming e a pressa digital, uma geração inteira se despede do ritual das fitas cassete.
Aqueles retângulos pretos de plástico, com rolos mágicos dentro, foram mais do que simples objetos.
O cinema, antes distante e inacessível, cabia na palma das mãos e, nas tardes de sábado, era sagrado o momento de escolher qual história viver.
Houve um tempo em que o cinema morava na sala de casa.
Era preciso soprar a fita, ajustar o tracking e torcer para que a imagem não tremesse demais. O som arranhado era parte do encanto e cada VHS guardava não apenas um filme, mas um pedaço da nossa história.
As locadoras eram templos de descobertas. Entre prateleiras repletas de capas coloridas, a gente escolhia não apenas o que assistir, mas o que sonhar. O toque da fita nas mãos, o adesivo “não rebobinado”, o ritual de colocar o cassete no vídeo... tudo isso era um convite à pausa, à paciência e ao encontro.
E havia também os encontros com os amigos, aquelas conversas longas entre uma prateleira e outra, indicando filmes, lembrando histórias, planejando a próxima jornada. O tempo passava devagar, entre risadas e recomendações. Era um tempo divertido, uma troca incansável.
O tempo passou. Vieram os DVDs, depois o streaming, e o cinema ficou a um clique de distância. A imagem é perfeita, o som é limpo, o acesso é imediato. Mas, junto com a tecnologia, algo se perdeu: a espera, o mistério, a emoção de ver o letreiro “Play” piscando antes de começar o filme.
Hoje, quando as fitas cassete repousam em caixas de memória, o que resta é a lembrança de um tempo mais lento, mais humano. Rebobinar era um gesto de cuidado, e talvez seja disso que mais sentimos falta: do tempo em que o cinema pedia calma, e a gente assistia com o coração inteiro.
O jornalista americano Tom Roston escreveu um livro sobre essa era que se foi. Ainda sem versão em português, “I Lost It At the Video Store: A Filmmakers’ Oral History of a Vanished Era” reúne vozes de diretores como Quentin Tarantino, Kevin Smith e Darren Aronofsky para mostrar que as locadoras foram para os cineastas o que as livrarias foram para os escritores no início do século XX.
Um espaço de descoberta, aprendizado e pertencimento. E, quando esses lugares desapareceram, uma parte da formação artística também se dissolveu.
É claro que a tecnologia nos trouxe novas experiências e conquistas. O avanço é inevitável, e a modernidade pode abrir milhões de portas.
Talvez essas novas tecnologias sirvam para aprimorar modelos que ficaram para trás, porque isso também é parte da evolução.
Mas os artistas, que sempre criam à margem dos sistemas, sabem que não basta esperar: é preciso caminhar junto a esse processo, reinventando o olhar.
Com a digitalização, os cineastas passaram a explorar novas técnicas de filmagem e edição, abrindo portas para a criatividade e a inovação. A chegada das plataformas de streaming e dos serviços on demand revolucionou a forma como consumimos conteúdo audiovisual.
Hoje, os filmes estão mais acessíveis, alcançam o público global e permitem que cada espectador construa sua própria sala de cinema, no tempo e no espaço que quiser.
A digitalização também ampliou as possibilidades narrativas, com efeitos visuais que desafiam a imaginação e impulsionam o crescimento da indústria cinematográfica.
Mas, mesmo diante de tantas transformações, há algo que permanece: o poder do cinema de nos fazer sentir, sonhar e lembrar.
“For a generation, video stores were to filmmakers what bookstores were to writers. They were the salons where many of today’s best directors first learned their craft.” - Por uma geração, as locadoras de vídeo foram para os cineastas o que as livrarias foram para os escritores. Eram os salões onde muitos dos melhores diretores de hoje aprenderam seu ofício pela primeira vez.”
(trecho do Livro: “I Lost It At the Video Store: A Filmmakers’ Oral History of a Vanished Era”)
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