O RENASCER DA ESTRELA, UMA NOVA VIDA À OBRA DE CLARICE LISPECTOR
- Categoria: Cinema
- Publicação: 19/09/2025 13:11
- Autor: Marcus Hemerly

“Não
entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre
limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais
completa quando não entendo”.
Clarice Lispector
Lançado
originalmente em 1985, momento em que a estreante Marcélia Cartaxo no papel da
protagonista chamava atenção por sua intensa interpretação, volta aos cinemas a
adaptação da última obra escrita por Clarice Lispector, ‘A hora da Estrela’.
Dirigindo com maestria pela saudosa Suzana Amaral (1932 -2020), conhecemos
Macabéa, migrante nordestina que a partir de sua simplicidade e ingenuidade - alguns
diriam pureza - é tocada pela indiferença e aspereza da cidade grande.
Originalmente
ambientada no Rio de Janeiro, a adaptação cinematográfica da novela de
Lispector é transposta para a cidade de São Paulo, onde Macabéa, subempregada e
morando em uma pensão com outras trabalhadoras, conhece o também retirante Olímpico,
(José Dumont). Tratada com rudeza pelo pretenso namorado e relativa
condescendência e menosprezo pelos chefes e colegas de trabalho, se encanta com
o metrô e toma aspirinas para aliviar a dor constante que sente. Uma dor que nem ela mesmo explica, aquela que
paira sobre o corporal e o existencial; aliás, a personagem em certo momento se
pergunta “Será que eu, sou eu?”. Como se não pudesse ela mesma identificar sua
função ou lugar no mundo.
Nesse
tom melancólico e, não raro, onírico, a personagem gravita em torno de sua vida
– ou existência, a pergunta ecoa –, ouvindo as músicas e curiosidades no rádio,
enquanto sonha em ser artista/estrela de cinema. Ao passo que o expectador se
compadece pelas mazelas da protagonista, cotejando até mesmo um paralelo quase
angelical de alguém por demais ingênuo em contraposição a seu derredor, reflete-se
ainda sobre os reflexos da migração desordenada. A promessa ilusória de uma
cidade aparentemente de mãos abertas como amoroso receptáculo, mas que cerra os
olhos à sorte de seus novos habitantes, ao revés do que se exalta no famoso
‘São Paulo, Sociedade Anônima’, (1965), de Luiz Sérgio Person, que retrata o
período de florescência industrial brasileira.
Filmado
numa época peculiar do cinema nacional, anos antes da extinção da Embrafilme - Empresa
Brasileira de Filmes S.A, e das leis de reserva de mercado, observava-se a
continuidade de realizações cariocas e daquelas sedimentadas pela aludida
Estatal, visto que no final dos anos oitenta amoldava-se a derrocado do ciclo
de produções paulistas. Tão somente a partir dos anos 2000, com o fenômeno
rotulado de “retomada” do cinema brasileiro, seja a partir produções
milionárias ou por realizações independentes, novamente se testemunharia um
impulsionamento mais denso de nosso cinema.
Além
de estreantes como a própria Cartaxo, capaz de transmitir a história sofrida de
Macabéa a partir de um “mero” olhar, interpretação que lhe rendeu a o Urso de
Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim, o longa conta com veteranos em
papéis secundários, como Fernanda Montenegro e Humberto Magnani. Após quatro
décadas de seu lançamento, o filme incluído na lista dos 100 melhores pela
Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), retornou às salas de
cinema em circuito reduzido no ano de 2024, após restauração digital em 4K.
Para os que ainda não são familiarizados com o destino da protagonista, seja
pela obra literária ou sua representação fílmica, a experiência coroa a ideia
de que, mais do que a hora, celebra-se a Ressurreição da Estrela, e de sua
criadora.
MINIBIOGRAFIA
Marcus
Hemerly, é natural de Cachoeiro de Itapemirim/ES, formado em Direito, é
servidor público do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo. Dr.h.c em
literatura. Autor das obras solo “Verso e Prosa: Excertos de Acertos",
"Versos Anversos" e coautor em antologias poéticas e de contos. É
colunista de cinema, contribuindo para sites e jornais eletrônicos. Pesquisador
independente de cinema, precipuamente sobre os temas “Cinema Marginal
Brasileiro” e “Horror Italiano”.
Leia Mais




