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Análise do filme Os Brutos Também Amam (1953)

Direção: George Stevens
  • Categoria: Critica de Filmes
  • Publicação: 07/09/2025 18:08
  • Autor: Rauny Moreira
OS BRUTOS TAMBÉM AMAM: O WESTERN DESARMAMENTISTA 
   
   O misterioso pistoleiro chamado Shane (Alan Ladd),  recém-chegado a uma região de assentamentos e pequenos sitiantes num vale do Wyoming, encontra repouso e trabalho no rancho dos Starret onde Joe (Van Heflin), Marian (Jean Arthur) e o garoto Joey (Brandon deWilde) vivem. Os colonos lutam por seus direitos contra os grandes criadores de gado que controlam a maior parte da terra. Logo, Shane se envolve no conflito através da intimidade criada na região, principalmente pelo aparente interesse em Marian e no fascínio que ele causa em Joey por suas habilidades em manusear armas de fogo.
   Mais de 70 anos depois e estamos aqui falando da importância de mais um longa do cinema western que  perdura até hoje. Shane, título original do roteiro escrito por A.B. Guthrie Jr. e baseado no personagem homônimo de Jack Schaefer parte de uma época de recomeço, onde a estabilidade financeira e o direito ao plantio eram as metas de famílias trabalhadoras e do campo, possibilidades estas de melhoria de vida sob o sol da terra da oportunidade que ainda estava se expandindo para a vindoura nação do futuro. Enquanto isso, há o outro lado, pecuaristas que pensam estar perdendo espaço com o advento de imigrantes, daí a importância de Shane nessa luta.
   O americano e suas armas, uma indissolúvel união que até então não era compreendida no rancho dos Starret, pelo menos não até a chegada do icônico personagem de Alan Ladd. Incontáveis vezes homenageado em diferentes mídias, o "resolve problemas" andarilho oculta um interesse quase que enigmático em cada passo, cada resposta retardada sob olhares estranhos de pessoas dóceis. Um animal selvagem só ataca quando se vê ameaçado e então o faz, calçando suas luvas, em um exercício quase inocente e despretensioso. E então o bote, rápido e certeiro como deve ser, talvez o personagem mais interessante de todos os westerns até pelo modo que foi retratado.
   O rancho serve como uma tipologia dos Estados Unidos após sua emancipação dos ingleses. Uma vez independente, a Nova Inglaterra busca sua identidade em meio à barbárie, aos estupros e delitos que exigem coragem de muitos para além da estrela dourada no peito, é uma subversão do herói e suas honrarias, é o isolamento que essa vida exige, sem peito de aço ou apetrechos à lá Bruce Wayne fazendo justiça entre as sombras. Um possível sucessor surge com o olhar paternal com que Joey deseja aquilo, aquele manejo, talvez algo não muito preterido por sua mãe e por várias outras pessoas mas, é inegável que tudo muda a partir do contato com o calado homem.
   Desapercebido agora já não é mais a situação do lar dos Starret, Marian pode descansar assim como o espectador ao ver a dissolução que emociona, como poucas vezes visto em outros filmes do gênero. A preocupação existe quando a alvidez reina na terra de ninguém ou no modo da lei do mais forte. Mas com ou sem a ferramenta fálica e bélica para defendê-los ou do implacável pistoleiro que mede palavras, Joe, Marian e Joey somam-se aos outros moradores daquele longínquo vale, onde um desabrigado ensinou tal qual um professor sobre duras realidades da vida, lições essas que às vezes requerem coragem como a de outra figura que será tratada de outro western por aqui em breve. Um dos mais lindos trabalhos dos anos 50 e um clássico em todos os seus 118 minutos. Visualmente lindo e significativo, uma bela obra do cinema western.