Notícias

QUANDO A MÚSICA VIRA IMAGEM: O CASAMENTO PERFEITO ENTRE SOM E CINEMA

Mais do que pano de fundo, a música é linguagem, emoção e narrativa dentro da sétima arte.
  • Categoria: Cinema
  • Publicação: 28/08/2025 12:43
  • Autor: Loide Almeida

O cinema, por um longo período, foi marcado pelo silêncio. O chamado cinema mudo — que teve seu auge entre 1895 e o final da década de 1920 — fascinava plateias com sua força imagética, suas expressões cênicas e narrativas visuais. Contudo, a ausência de som logo se transformou em um terreno fértil para inovações. A evolução técnica trouxe diálogos, sons ambientes e, sobretudo, a música, que não apenas acompanhava as imagens, mas se entrelaçava à narrativa, conduzindo o espectador por emoções e significados.

A música, então, deixou de ser mero adorno para se tornar parte essencial da linguagem cinematográfica. Já em 1912, Camille Saint-Saëns compôs a primeira trilha original para o cinema, criada especialmente para o filme O Assassinato do Duque de Guise. Esse marco inaugurou uma nova percepção: a música não era apenas inserida na cena, mas nascia como elemento cênico em si, capaz de narrar, emocionar e até explicar uma história apenas com uma nota ou acorde.

Grandes nomes da música erudita também se aventuraram no cinema, como Dmitri Shostakovich, Sergei Prokofiev, Michael Nyman e Philip Glass. Suas composições ampliaram o repertório do cinema e mostraram que a trilha pode ser um fio condutor da narrativa, organizando e potencializando a mise-en-scène.

Não se trata apenas de acompanhar imagens. Muitas vezes, a música inspira o próprio roteiro, o ritmo da montagem e a construção de personagens. Woody Allen, por exemplo, em Manhattan (1979), fez da trilha de Gershwin um verdadeiro motor de sua narrativa visual. Já Jacques Demy ousou ao criar um filme em que todos os diálogos eram cantados: Os Guarda-Chuvas do Amor (1964), com trilha composta por Michel Legrand, gravada antes mesmo das filmagens, estabelecendo ritmo e cadência para a atuação.

 Há também exemplos em que música e ação se fundem de forma inseparável. Alfred Hitchcock, em O Homem que Sabia Demais (1934 e 1956), construiu uma cena antológica em que o barulho de um címbalo encobre o disparo de um tiro. A tensão nasce justamente da relação entre som e imagem — uma prova de que a música, mais do que acompanhar, pode se tornar protagonista da narrativa.

No cinema documental, Eduardo Coutinho destacou a potência da canção no filme As Canções (2011), em que cada entrevistado revelava a trilha sonora de sua vida. Como afirmou o próprio diretor: “A canção é a coisa mais rica que o Brasil tem. Não é sequer a música ou a melodia, é a canção.” Nesse caso, o cinema não apenas utiliza a música, mas se constrói a partir dela, revelando memórias e emoções.

O poder da música no cinema está em sua sutileza: muitas vezes é percebida sem ser conscientemente escutada, mas é capaz de intensificar emoções, criar atmosferas e até conduzir a compreensão de uma cena. Um exemplo é O Terceiro Homem (1949), de Carol Reed, cuja trilha se tornou tão icônica que ganhou vida própria, permanecendo na memória até hoje.

Assim, podemos dizer que o encontro entre música e cinema não é mero acaso: é uma união orgânica, em que a música se torna extensão da imagem, e a imagem, por sua vez, ganha novas camadas de significado através do som.

“No cinema, a música é a alma invisível da imagem — aquilo que sentimos antes mesmo de compreender.”

Este texto também se inspira na exposição “Música & Cinema: o casamento do século?”, realizada pelo Sesc Pinheiros (2014–2015), que explorou de forma sensível e crítica a relação entre a trilha sonora e a imagem cinematográfica.