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O fenômeno das fardas: como policiais se transformam em políticos e influenciam eleições

Até que ponto a farda é ferramenta de segurança ou de marketing?
  • Categoria: Atualidade
  • Publicação: 13/08/2025 18:43
  • Autor: Karina Pinto

Em sequência: Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP), Delegado Da Cunha (PP-SP), Sargento Fahur (PSD-PR) e Delegado Palumbo (MDB-SP) eleitos em 2022 para o Congresso Nacional | Fotos: reprodução/redes sociais


A cada eleição, cresce a presença de policiais e militares que usam sua imagem institucional para conquistar espaço nas urnas: um movimento que pode esboçar respaldo popular, mas levanta questionamentos éticos profundos.

 

 


Quem vê a farda, a viatura ou vídeos de operações nas redes sociais tende a associar autoridade, rigor e “força”, uma combinação que, para muitos, transmite segurança. Não é à toa que esse recorte tem sido explorado com maestria: policiais passaram a investir pesado em perfis digitais, acumulando seguidores como se fossem influenciadores, e em seguida, migrando para uma campanha eleitoral com vantagem aparente.

 

 


Mas o cenário vem se agravando. Agentes da segurança pública, ainda em atividade têm utilizado câmeras profissionais, edições sofisticadas de vídeos e até equipamentos públicos para fortalecer sua imagem nas redes. Além disso, a distribuição de brindes personalizados, como canecas com o rosto do delegado ou agente, reforça o uso da estrutura do Estado para fins pessoais, o que, em ano pré-eleitoral, pode ultrapassar os limites da legalidade e configurar conduta vedada pela legislação eleitoral.

 


Segundo o Ministério Público de Contas do Espírito Santo (MPC-ES), mesmo quando o conteúdo é publicado em redes sociais pessoais, a autopromoção de autoridades com base em ações públicas é vedada, pois fere o princípio da impessoalidade previsto no artigo 37 da Constituição Federal. O órgão ressalta que qualquer associação entre a imagem do agente e resultados de políticas públicas configura desvio de finalidade.

 


Além disso, diversos Ministérios Públicos Estaduais, como os de Pernambuco, Bahia e Paraíba, já emitiram recomendações expressas para que autoridades e gestores públicos removam conteúdos promocionais de redes sociais institucionais e pessoais. Em alguns casos, o simples uso de símbolos, nomes ou imagens com apelo pessoal foi considerado suficiente para caracterizar ato de improbidade administrativa.

 

 

Segundo Antonio Rodrigues, especialista em Direito Administrativo, a utilização de fardas, símbolos ou imagens institucionais de policiais para promoção pessoal “viola os princípios da impessoalidade e da publicidade institucional” previstos na Constituição, independentemente de a veiculação ocorrer em perfis oficiais ou pessoais. Ele explica que tal prática pode gerar responsabilização civil, penal e administrativa, e que a legislação eleitoral proíbe expressamente: “o uso, na propaganda eleitoral, de símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes às empregadas por órgão de governo, empresa pública ou sociedade de economia mista”, prevendo detenção de seis meses a um ano, multa e prestação de serviços à comunidade.


O especialista destaca que policiais civis seguem, em geral, as mesmas regras aplicadas a outros servidores públicos para disputar cargos eletivos, podendo retornar às funções após o fim do mandato. Já policiais militares e integrantes das Forças Armadas devem se afastar da atividade, sendo que, se tiverem menos de dez anos de serviço, o afastamento é definitivo, e, se tiverem mais, ocorre a agregação, passando à inatividade em caso de eleição. 

 

 

Ele lembra que está em tramitação no Senado o novo Código Eleitoral, que propõe quarentena de dois anos antes das eleições para categorias como juízes, promotores e policiais.

 


Sobre o uso da figura do policial como símbolo de autoridade e segurança, o especialista afirma: “em tese, pode ser enquadrado como abuso de poder ou vantagem indevida, com base na Lei de Abuso de Autoridade e na Lei de Improbidade Administrativa”. No entanto, reforça: “é preciso verificar as características do caso concreto para que possa haver um enquadramento legal adequado”.

 

 

 

 



Os números no país que impressionam

 

 



Nas eleições de 2022, foram eleitos ao menos 40 deputados federais oriundos da segurança pública, um aumento de cerca de 35% em relação a 2018.

 

 


No total, considerando também as assembleias legislativas estaduais, o número chega a 87 policiais e militares eleitos em todo o país.

 


Os três estados com maior número de políticos da segurança pública eleitos foram: São Paulo, com 17; Rio de Janeiro, com 12; Minas Gerais, com 8. (Fonte: TSE)

 


Esses estados concentram boa parte da chamada “bancada da bala”, composta por ex-policiais, militares da ativa ou da reserva, e agentes da segurança que agora ocupam cargos no Legislativo. Para especialistas, essa relação entre autoridade policial e candidatura pode ser um atalho perigoso à ética democrática. O apelo emocional fabricado a partir da “figura do policial” pode sobrepor-se a análises racionais sobre propostas, políticas públicas e ideologias.

 

 



Fenômeno nacional



Embora o estado do Piauí não esteja entre os campeões em números absolutos, também segue a tendência: o Nordeste elegeu 14 parlamentares ligados à segurança pública em 2022. No caso do Piauí, três deputados federais têm origem nas carreiras militar ou policial civil, mostrando que o fenômeno também se faz presente em estados com menor colégio eleitoral. A imagem do “homem da lei” continua sendo um ativo político forte, especialmente em regiões onde o medo da criminalidade é mais latente.

 

 

Essa forma de divulgação tem provocado debates sobre o uso da estrutura estatal para fins de promoção pessoal. Atualmente, tais práticas estão sendo objeto de análises e avaliações por especialistas.

 

 

A presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB do Piauí, Ívilla Araújo, explica que o entendimento jurídico atual vai além da simples natureza do perfil ou da origem dos recursos utilizados:“Jurisprudências e pareceres do Ministério Público de Contas apontam que não importa se o perfil é pessoal ou institucional, nem se houve ou não uso de verba pública na postagem. Se há associação de imagem pessoal ao resultado de ação do Estado para fins de promoção própria, pode haver infração ao art. 37, §1º, da Constituição”, afirma.