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Carlota Joaquina, Princesa do Brasil* volta aos cinemas em versão remasterizada 4K, celebrando 30 anos da Retomada do Cinema Brasileiro

  • Categoria: Cinema
  • Publicação: 09/08/2025 12:22
  • Autor: Matêus reis
Marco da retomada do cinema brasileiro nos anos 1990, comédia histórica de Carla Camurati volta às telas de cinema 30 anos depois de seu lançamento original, em versão remasterizada e em 4K, reafirmando a originalidade e a resiliência da produção nacional.Em 6 de janeiro de 1995, um filme estreava discretamente em quatro salas do Rio e de Niterói, sem distribuidor e com poucas cópias, em um circuito nacional então dominado quase exclusivamente pelo cinema estrangeiro. Dirigido por Carla Camurati, Carlota Joaquina, Princesa do Brazil desafiava o cenário de quase completo colapso da indústria cinematográfica brasileira, após a extinção da Embrafilme e do Concine pelo governo de Fernando Collor de Mello, em 1990.Trinta anos depois, a obra retorna às salas de cinema em versão remasterizada em 4K — um marco simbólico de renovação e resistência em mais um momento fundamental de lutas da produção audiovisual brasileira. Carlota Joaquina se tornou o filme-símbolo do período que entrou para a história com a "retomada do cinema brasileiro" - ou apenas "Retomada" -, e demonstrou a força das comédias nacionais junto ao público.Rodado com recursos mínimos e quase 100 apoios dos mais diversos empreendimentos — "de tecido e tinta até o frango do Dom João", como recorda a diretora — Carlota Joaquina encenou com irreverência e acidez a chegada da corte portuguesa ao Brasil. "A ideia surgiu quando me dei conta de que a verdadeira descoberta do Brasil ocorreu com a chegada da família real ao país, em 1808. Foi a partir daí que o Brasil descobriu o mundo e o mundo descobriu, de fato, o Brasil", diz Carla Camurati. O filme encenava o cotidiano e as maquinações da corte portuguesa durante sua vivência no Brasil, fugidos das invasões napoleônicas, de forma absolutamente irreverente, recusando o ranço didático das aulas de história. A abordagem caiu no gosto do público, confirmando uma longa tradição brasileira de sucesso das comédias, desde as chanchadas musicais da Atlântida nos anos 1950.O tratamento irreverente da história de Carlota Joaquina encontrou eco em um público carente de narrativas brasileiras. Sem recursos para lançamento em larga escala, o filme foi lançado pela própria diretora e pela produtora Bianca De Felippes, que organizaram pessoalmente a estratégia de distribuição, buscando salas e entrando em contato direto com donos de cinemas, projecionistas e bilheteiros.Carlota foi lançado de forma escalonada, em várias capitais, com um aproveitamento máximo das cópias. "A gente lançou o filme como uma turnê de uma peça", lembra Bianca, produtora que veio do teatro, se tornou peça fundamental no levantamento de recursos e na realização de Carlota, e se tornaria sócia e parceira de Carla Camurati. "Ele estreava numa capital, dali a algumas semanas íamos para uma nova cidade. Chegamos a ter 33 cópias simultâneas em cartaz. O filme saiu na frente, e a gente foi correndo atrás". Carlota encerraria sua carreira nas salas de cinema quase um ano depois de estrear, com público de 1,28 milhão — um feito que, na época, foi considerado quase um milagre. A adesão popular surpreendeu. "O filme caiu nas graças do público, e os jornalistas voltaram ao cinema para tentar entender o fenômeno", diz Bianca. Marieta Severo, que interpreta a protagonista com uma entrega admirável, acredita que o filme não perdeu sua atualidade, por retratar as origens de uma certa elite de pensamento colonial. "Foi uma delícia perceber que o cinema estava se reconectando com as pessoas. Hoje, acho que é o filme mais emblemático da minha carreira". Intérprete de Dom João VI, Marco Nanini destaca a originalidade da abordagem: "O filme abrasileirou os filmes históricos e imprimiu uma crítica profunda à colonização, sem perder a leveza". A união entre crítica e comicidade revelou um Brasil que sabia rir de si mesmo e que, no riso, encontrava também um gesto de reconhecimento histórico. Marcos Palmeira, como Dom Pedro I, destaca a atmosfera de colaboração do set. "Havia um grande sentimento de coletividade: a Marieta chegava com um biscoito, outro trazia o açúcar para o café... Eu também comecei a levar coisas". O ator também tem ótimas lembranças de sua colaboração com Antônio Abujamra, o querido Abu, que interpreta o Conde de Mata Porcos, com quem contracenou bastante.Em sua coluna no Jornal do Brasil, em dezembro de 1996, o jornalista Artur Xexéo sintetizou o impacto da obra: "Carlota Joaquina mostrou que o público ainda se interessava pelo cinema nacional" e estabeleceu um novo parâmetro de sucesso, "um milhão de espectadores", que, segundo o jornalista, deveria ser "a nova meta dos cineastas brasileiros". Muito além de sua carreira nas salas de cinema, Carlota Joaquina seguiu sendo um sucesso e teve sua influência confirmada em dezenas de livros, artigos acadêmicos, dissertações e teses sobre cinema brasileiro, sempre apontado como uma referência da Retomada.Longe de ser um fenômeno isolado, Carlota inaugurou um ciclo frutífero ao antecipar a força das comédias como blockbusters nacionais (como Se eu fosse você, De pernas pro ar e Minha mãe é uma peça, este último com mais de 11 milhões de espectadores), influenciou a criação de instituições estruturantes como a Agência Nacional de Cinema e o Fundo Setorial do Audiovisual, reacendeu a chama da produção independente, despertou o interesse de distribuidores e donos de salas de cinema pelos filmes brasileiros, e abriu caminho para sucessos internacionais como Central do Brasil, Cidade de Deus e, mais recentemente, Ainda Estou Aqui, que trouxe para o Brasil seu primeiro Oscar.No set, Carlota marcou a estreia na direção de fotografia de um longa de Breno Silveira, que, dez anos depois, em 2005, foi responsável, como cineasta, por outro marco da retomada, o drama biográfico de 2 filhos de Francisco, primeiro filme dessa nova etapa a ultrapassar os cinco milhões de ingressos vendidos, e também o primeiro filme da retomada a ser líder do ano, à frente dos lançamentos estrangeiros. Breno faleceu em maio de 2022, durante as filmagens de Vitória, com Fernanda Montenegro, que estreou em março de 2025. Carlota Joaquina teve cenários e figurinos, unanimemente elogiados por sua inventividade, assinados por Tadeu Burgos e Emília Duncan, que usaram as bugigangas, tecidos, objetos e até mesmo roupas do armário de Carla Camurati para compor as roupas e elementos de cena. A música do filme foi composta por André Abujamra, em seu primeiro trabalho para o cinema antes de se tornar um dos principais "trilheiros" da retomada.Três décadas depois, o retorno de Carlota Joaquina aos cinemas é mais que uma celebração. É o reencontro com um momento decisivo da história cultural brasileira, quando um filme pequeno mostrou que cinema não se mede pelo seu tamanho nem pelo orçamento, mas pela sua criatividade e pela capacidade de mobilizar o país.