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Análise de Cidade dos Sonhos

  • Categoria: Critica de Filmes
  • Publicação: 21/04/2025 00:47
  • Autor: Ítalo Morelli Junior
Considerada por muitos a obra máxima do diretor David Lynch - afirmação tão discutida quanto o próprio filme - Cidade dos Sonhos voltou aos cinemas restaurado em 4 K e com a trilha sonora remasterizada, para deleite dos fãs que o assistiram pela primeira vez nos idos de 2001.
Mulholland Drive, título original que se refere a estrada ao leste das montanhas de Santa Mônica no Sul da Califórnia (cujo nome é uma homenagem a William Mulholland, um dos pioneiros da engenharia civil de Los Angeles) foi concebido originalmente como um piloto de uma série de TV. David Lynch parecia querer expandir o universo do sucesso estrondoso de Twin Peaks, tanto que de início, a personagem Audrey Horne (Sherilyn Fenn) seria a protagonista.
Lynch descartou a idéia e escalou Laura Harring e Naomi Watts, até então desconhecidas do grande público. Filmou o piloto e o enviou ao canal CBS, que não aprovou, pois considerou a história confusa e as atrizes balzaquianas velhas demais. Foi então que a produtora francesa Studio Canal topou a empreitada e Lynch filmou mais 40 minutos, dando origem ao longa metragem mais comentado de sua carreira. Agora com 150 minutos de duração, Cidade dos Sonhos estreou no Festival de Cannes conquistando o prêmio de melhor direção e de quebra uma indicação ao Oscar na mesma categoria.
Basicamente um filme noir sobre a relação entre duas mulheres tendo Hollywood como pano de fundo, Cidade dos Sonhos hipnotizou e intrigou platéias ao redor do mundo. O que seria sonho e o que seria real em Mulholland Drive e quem realmente são Betty, Diane, Rita e Camila?
Betty (Naomi Watts, numa atuação de alto nível e inexplicavelmente fora do Oscar), é uma jovem atriz em ascensão recém chegada a Los Angeles, onde busca se projetar profissionalmente em Hollywood. Talentosa e elogiada, ela se hospeda na casa da tia onde encontra Rita (Laura Harring, excelente) uma bela mulher que perdeu e memória após um acidente de carro na estrada Mulholland. Betty se empenha em ajudar Rita a descobrir o que aconteceu, enquanto tenta conseguir trabalho numa produção que sofre interferência da máfia. Nesse meio tempo, Betty e Rita se envolvem e se apaixonam.
Em uma de suas várias declarações, David Lynch disse que nem todo o sonho era 100% sonho, o que só ampliou mais ainda as discussões entre os adoradores da obra. Carregada de surrealismo, a suposta realidade seria tão lisérgica quanto o sonho. O clima hermético que permeia a narrativa do início ao fim deixa o espectador submerso, enquanto acompanha, em total suspensão, cada uma das demoradas sequências que em nenhum momento cansam ou entendiam.
Juntar as peças do intrincado quebra-cabeça na segunda parte é uma agradável porém difícil tarefa, devido a única certeza que todos nós já temos de antemão: pra quem quiser enlouquecer e perder a própria identidade, Hollywood é o lugar certo, com clara referência ao clássico Sunset Boulevard, de 1950.
Filmado no final dos anos 90 e concluído no início do século XXI, temos um produto da sétima arte vindo de um mundo que não existe mais, um mundo antes das redes sociais, da pandemia e da Inteligência Artificial, quando a Internet ainda não estava na casa da maioria da população e quando ainda tínhamos esperança e muitos, muitos sonhos...