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“Essência X aparência: como explicar a disputa política brasileira contemporânea.

O modo de produção capitalista tem leis constitutivas: acumulação de capital, exploração da mais valia, etc., mas assumiu feições determinantes decorrentes de duas dimensões estruturantes: a financeira (Lenin) e a cultural (Gramsci)
  • Categoria: Economia
  • Publicação: 18/02/2025 19:22
  • Autor: Rodrigo Botelho Campos - economista”
De maneira simplista, mas consistente, as expressões destas dimensões no Brasil são os bancos, o chamado “mercado” e a mídia, simbolizada no poder do Grupo Globo. 

Um novo/antigo elemento tomou relevância no mundo da semiótica derivado da vida virtual potencializada pela tecnologia: a cultura, a ideologia, a aparência, a percepção, o “disse que me disse” (do ditado popular) virou o “rabo que balança o cachorro” na luta político-ideológica.

Os números das pesquisas faltando um ano e meio para as eleições de 2026 indicam uma contradição básica a ser enfrentada pelo nosso governo: acertar pode não estar dando certo. 

Pelo menos no plano das percepções o certo pode ser visto como insuficiente para satisfazer os sonhos de expectativas criadas. “O que fazer?”. Afinal, “quem pariu Mateus, embala”! A bola, portanto, está conosco. Estamos no governo, não na oposição! Vamos “dar tratos à bola”.

Os números de popularidade de Lula e do governo parecem que estão conspirando contra a essência do que estamos fazendo, que é o correto, que está sendo bem sucedido, mas tem um aspecto sutil: a realização é fruto do mesmo do mesmo. 

As pessoas no e do mundo virtual normalmente enxergam a aparência, a percepção…não a essência. Habilmente explorado pela oposição, as mentiras repetidas milhões de vezes viram verdade (assim falou “Zaratustra Goebels”). Daí a alcunha que somos analógicos, mesmo estando todos nós fundamentalmente atuando no mundo virtual, para a crítica dos tantos que acham que devíamos estar é nas ruas, organizando o povo onde o povo está. 

Estamos acertando em muitas ações, do slogan do governo que valoriza o termo “Reconstrução” às ações concretas, reconstruindo o que foi desmantelado por Temer e JB e repondo o que deu certo lá atrás. 

Observem: reconstrução é recompor o que foi no passado. Melhor talvez seria ter usado algo assemelhado ao slogan de Lenin: “um passo atrás para dar dois passos à frente”; sinalizando transição para o futuro. As pessoas vivem para andar para frente, nem de lado como os carangueijos elas querem andar, quanto mais para trás. 

Onde estamos errando? Não inovamos. O que tem de novo no nosso governo? Até os slogans são repetidos. Sito um: PAC, pac, pac, numa surda batida que liga, religa, o exitoso do passado à continuidade do que foi interrompido, pelo golpe em Dilma e no impedimento da candidatura Lula. 

“Mudar, mudar, para não mudar nada”, aprendido em “O Leopardo”, de Tomasi de Lampedusa, é característica do capitalismo e do Estado Democrático de Direito, ambos com muitos fôlegos. Se há, contudo, fadiga de material no nosso projeto, pelo menos na percepção das pessoas, temos que ir além do mesmo do mesmo. A fórmula de Lampedusa pode ser uma armadilha. Na metade do prazo do mandato do governo pode ser momento de amadurecer e sintetizar o propósito de mudança mudando o slogan. Para que? Para sinalizar o futuro, para além do que já deu certo no passado. 

Lançar uma ancora lá adiante e se agarrar na corda, ir puxando, avançando rumo ao futuro, num novo esforço construtivo de novas expectativas. Não podemos apenas colher os frutos da primeira metade do governo. Nós os vemos exitosos, mas o povo os vê assim? Eles anteciparam a campanha eleitoral. A fazem 24h por dia. “Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?”

O modo de produção capitalista também é sociedade de consumo, profícua em oferecer bens e serviços, propagandeia, estimula, motiva … mas o orçamento familiar tem limites, não acompanha no mesmo ritmo da pressão a consumir. Daí o crédito, para antecipar o consumo, mas também algo novo/antigo que nos aflige: o endividamento exacerbado, e agora com jogos de azar, potencializados pela tecnologia, também para comprar picanha! 

No discurso técnico a inflação está sob controle, mas as pessoas reclamam que os preços estão altos. Vivemos uma realidade dual: inflação baixa, de país rico, com preços altos, de país rico. Londres e Zurich também tem inflação baixa com preços altos, mas a renda é alta! No Brasil, 70% dos trabalhadores ganham até 2 salários mínimos. Sem renda, não há consumo. Isto gera frustração. Canalizada politicamente pela oposição gera frustração com o governo. Isto é a percepção das pessoas, explorada com competência pelos dois grandes campos oposicionistas: a oposição liberal-conservadora e a oposição proto-fascista. Com sistema de dois turnos podem se unir no segundo turno…

Sem estoques reguladores para serem disponibilizados quando o preço sobe e com política cambial que estimula a exportação, diminuindo a oferta interna, os preços tendem a subir. Só não sobem se houver aumento da oferta, provido internamente ou importado. 

No governo Dilma, após anos de recomposição do poder de compra do salário mínimo, da previdência, de programas de inclusão social, vindo de dois mandatos de Lula e do primeiro mandato dela, a inflação começou a subir. O Banco Central, “on the book”, seguindo manual, aumentou a SELIC para controlar a demanda agregada e derrubar a inflação com as consequentes reduções de crescimento e geração de emprego e renda.  A oposição, à época, ardilosamente por conta da disputa política, “caiu matando” o que teria feito se no governo estivesse. Urdiram uma “tempestade perfeita”, para justificar e mitigar a frustração de não ganharem no voto, dando o golpe do impeachment. 

Mas, além do que é a essência do assunto em si, nos importa a exploração do assunto. Só se fala nisto… porque o consumidor que criamos ao melhorar a renda e gerar emprego, quer mais e mais! É insaciável. Lula, então sindicalista, certa vez disse: “trabalhador que se contenta com o salário que tem não merece ser chamado de trabalhador”. O nosso arcabouço teórico, o nosso modelo mental, baseado no economicismo, decorrente da ideia que a infraestrutura condiciona a superestrutura, nos conduz e nos estimula a fazer o mesmo do mesmo, repetindo o programa eleitoral de 2002: criar uma “ampla sociedade de consumo de massas”. Criar o país de “classe média” virou slogan. Em essência, está acontecendo, porque a vida está melhorando. Onde estamos errando? 

Lembremos da pesquisa feita pelo instituto Data Popular no primeiro ciclo de presidentes petistas. Perguntado a quem deviam a melhoria de vida, grosso modo, 60% creditaram a Deus, 30% ao esforço pessoal, e 10% ao resto, incluindo as políticas públicas, econômicas e sociais. Consumidor/trabalhador com este nível de consciência, no primeiro tropeço conjuntural, abandona o governo se não tiver conexões mais profundas de ordem político-ideológica. Não precisamos “bolivarizar” o governo, mas ser republicano com alta dose de ingenuidade pode ser fatal na disputa política.

Não é na economia, entupido, é na cultura: é nesta dimensão, para além da essência dos resultados positivos, na percepção, na aparência, na ideologia, que estamos disputando e podemos perder. 

Não se trata apenas de ser digital e não analógico, trocar o ministro das confabulações…é preciso enfrentar a essência da aparência alheia: o discurso do individualismo, do salve-se quem puder, do apanágio da violência, da subalternidade ao “American Way of Life”, de um modelo mental (“mindset”) americanófilo que há décadas bombardeam os “corações e mentes” de todos que leram Pato Donald e hoje batem palma para o outro Donald, de extensão T. Não nos esqueçamos que JB em sua primeira entrevista eleito a deu ao lado de um pôster de Rambo que estava na sala de sua casa; para não falar deste mesmo JB batendo continência à bandeira americana; e P. Guedes afirmando que ele e JB amavam a Coca Cola. Precisa falar mais? De onde buscaram o modelo de emendas para emponderar o parlamentar? Dos EUA.

O Brasil está na pupila do olho do furacão. O propósito é derrotar Lula (suponho que seja na disputa do voto em 2026, mas desde já agem para fazer sangue pingar; sem nos esquecer jamais que planejaram um golpe de Estado e seu assassinato) para dizerem que derrotaram os “comunistas”, nesta revivida ladainha de aparência negando a essência, em escala planetária! 

É na cultura que está o teatro de operações da guerra em curso. Ou os progressistas de todo o mundo se unem e constituem um novo ideário ou a barbarie se imporá! 

Vamos adiante, lutando!