BABENCO, A FORÇA DA VONTADE.
“Você não passa impunemente pelo que acontece com você. É óbvio que cicatrizes ficam. Não no corpo, mas na alma.” Hector Babenco
- Categoria: Cinema
- Publicação: 09/02/2025 10:29
- Autor: Marcus Hemerly

Existem diretores a respeito dos quais,
frequentemente, pensamos que sua contribuição poderia ter sido mais numerosa,
para deleite dos fãs e estudiosos do cinema. Esse é o caso de Hector, que não
filmou de forma mais prolífica, não por falta de oportunidades - ou de vontade -
mas em decorrência de sua franqueza e fidelidade consigo próprio. Após amealhar
considerável fama internacional em decorrência de seus filmes distribuídos por
produtoras americanas, inúmeros roteiros lhe foram enviados, no entanto, o
próprio diretor reconhecia que não eram para ele, e uma vez não detectada a conectividade,
seja de perfil ou sentimental, era o primeiro a dizer. Instintivamente, outras
pessoas, não tão sensíveis à própria história, teriam aceitado direções apenas
para manter-se no nicho de projeção, e, até então, profissionais do cinema
brasileiro não haviam desbravado, salvo raras exceções, e de forma tão proeminente,
o mercado mundial.
Falecido em 2016, após longos anos de
coexistência com o câncer, no dia 07 de fevereiro lembramos do nascimento de um
dos grandes realizadores do país, argentino, mas com alma brasileira. Héctor
Eduardo Babenco deixou uma filmografia completa em todos os sentidos. Aos
amantes do cinema, uma vertente especial de análise salta aos olhos; o drama
humano transmitido em cotejo à qualidade e técnica dos mestres, que se
descortina no trabalho do cineasta, que sempre elevou o nome do Brasil a vários
panoramas, com produções que conquistaram plateias e se inseriram
indissociáveis à história do cinema mundial, coadunando crítica e bilheteria.
A despeito de se sentir ao mesmo tempo acolhido
e esquecido em terras brasileiras, nunca se divorciou do país, em especial, da
capital paulista, mesmo diante do cenário global que conquistava. Seu quarto filme, “O Beijo da Mulher Aranha”, de 1985,
produção brasileira e americana, foi inteiramente gravado em São Paulo,
até mesmo nas cenas ambientadas em Paris, havendo William Hurt recebido o Oscar
de melhor ator, no ano seguinte. Sentado na plateia do teatro em Los Angeles, Babenco
dividiu os holofotes com Akira Kurosawa, John Houston e Sydney Pollack,
vencedor da noite na categoria de Melhor Diretor, por “Entre dois Amores”. Após
relativo sucesso com sua primeira incursão cinematográfica em “O Rei da Noite”,
estrelada por Paulo José, no qual retratava a boemia paulistana, galgou as grandes
bilheterias com “Pixote, A Lei do mais fraco”, e o policial “Lúcio Flávio, O passageiro
da agonia”.
Em 2019, o público brasileiro e mundial, ainda foi brindado com o documentário “Babenco: Alguém tem que ouvir o coração e dizer:
parou”, dirigido por sua esposa, Barbara Paz. Após seu lançamento em larga escala nas
salas de cinema ter sido frustrado pela pandemia, o filme, indicado em novembro anterior pela Academia Brasileira
de Cinema – ABC, para representar o país no Oscar 2021, acabou ficando fora da
premiação. Na película, são retratados os últimos meses de Babenco, através de
um olhar sensível, porém incisivo, ao traçar passagens importantes de sua
carreira. Rememora-se, dentre outros momentos, a seleção para concorrer à
estatueta de melhor diretor, quando foi diagnosticado com câncer pela primeira vez,
a produção do festejado “Pixote, A lei do mais fraco”, até o crepúsculo de sua
existência dando dicas ranzinzas de enquadramentos de câmera à sua
esposa/cineasta.
O resultado: Babenco, é uma
ode visual às artes, e não apenas ao cinema, junção de várias modalidades de
expressão, pois o diálogo entre a vida que vemos e sentimos pulsa de forma
incontida a cada minuto da produção. Nessa visão, a arte como forma de
escapismo, a criação aliada às complexidades da vivência – e aqui se separa o
viver do simples existir – são aplaudidos de pé na imagem em movimento.
O tom de despedida entrelaçado à trajetória do responsável por obras como Ironweed' (1987) e Carandiru’ (2003), registrado
por meio da sétima arte, é impactante e comovente em sua belíssima fotografia
em preto e branco. Disse Babenco
“Eu já vivi minha morte, agora só falta fazer um filme sobre ela”, e o
faz como protagonista, de forma
magistral como o fez atrás das câmeras.
Seu último filme, produzido em 2015, “Meu Amigo Hindu”, gravita em torno
de um diretor de cinema que se descobre em fase crítica de câncer, interpretado
por Willem Dafoe. As feições autobiográficas são patentes, e assim como no
filme de Barbara Paz, não se detecta uma visão fatalista dos percalços humanos,
mas a beleza encontrada em todos os desdobramentos da vida. Dafoe, que é um dos
produtores associados de Babenco, ponderou
sobre o diretor que sua obra e imaginação é “uma
meditação poética, um poema de amor para ele, para a vida, para a morte e para
o cinema”.
Recentemente, a distribuidora Versátil
coordenou o relançamento em mídia física da filmografia completa do diretor,
com amplo conteúdo extra aos interessados num olhar que transborda o do mero
expectador. Percepção complexa (e completa) que honra a memória do artista.
TRABALHOS DE HECTOR BABENCO
1975 - O Rei da
Noite
1977 - Lúcio Flávio, o Passageiro da
Agonia
1980 - Pixote, a
Lei do Mais Fraco
1985 - O Beijo da Mulher Aranha,
1987 - Ironweed
1990 - Brincando nos Campos do Senhor
1998 - Coração Iluminado
2003 - Carandiru
2007 - O Passado
2014 Words with Gods (Capítulo: O Homem que roubou um pato)
2016 - Meu Amigo
Hindu
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