A NOITE DAS VAMPIRAS: O RESSUSCITAR DO CINEMA FANTÁSTICO NACIONAL E A NOSTALGIA DA MÍDIA FÍSICA.
- Categoria: Mídia Física
- Publicação: 28/11/2024 01:00
- Autor: Marcus Hemerly

Quando se lança um olhar linear sobre a evolução
do cinema nacional, inúmeros fenômenos ou movimentos exsurgem evidenciados. De
um lado, apontamos o chamado Cinema Novo, com expoentes como Glauber Rocha,
Cacá Diegues e Rui Guerra; estilo cinematográfico mais imerso em questões ou
provocações sobre problemáticas sociais e existenciais, similar à Nouvelle
Vogue francesa. Contempla-se, com igual importância, o cinema Marginal, de
pronunciadas feições experimentais e autorais, que se integrou às realizações
da Boca do Lixo paulistana, reduto onde se produziu o maior percentual de
títulos no Brasil durante mais de duas décadas. Desde as chanchadas da
Atlântida, a diversidade da Vera Cruz, e a multitude de temas tratados na
também chamada Boca do Cinema (Boca do Lixo), é inolvidável reconhecer a gama
criativa e força do cinema brasileiro.
Imprescindível ressaltar a palavra
versatilidade, pois, filmou-se bangue bangue, policiais, musicais, seja estilo discoteca ou caipira, e até mesmo, o
terror. E, à obviedade, ao mencionar o sinônimo de terror, o primeiro nome que
assoma à mente é o do cineasta José Mojica Marins, mundialmente famoso como “Zé
do caixão” ou Coffin Joe, no
exterior, personagem por ele imortalizado em sua primeira incursão ao gênero,
na produção “À meia-noite levarei sua alma”, de 1964. A obra de José Mojica,
seu tom fortemente inovador e criativo, num sentido visceral instintivo, merece
não apenas um artigo, mas livros, ensaios e estudos fílmicos, (e,
merecidamente, foram incontáveis).
Nesse passo, Mojica era também conhecido pelos
inúmeros discípulos, um deles, em especial, consagra carreira crescente que
amolda uma verdadeira homenagem ao saudoso mestre, e, ao próprio cinema
nacional. No ano passado, o cineasta
guarulhense Rubens Mello, ator, cantor e autor de curtas-metragens premiados, encerrou
as filmagens e edição de seu primeiro longa, o terrir “A noite das vampiras”. O
projeto conta com participações ilustres como as atrizes Nicole Puzzi e Débora
Munhyz, musas do cinema paulista e estrelas de inúmeras produções famosas, além
da atriz, roteirista e escritora Liz Marins Vamp, filha de Mojica, falecido em
2020.
É cediço que a popularização e consumo do cinema
nacional fortemente identificado nos anos 60, 70 e início dos anos 80, teve um
decréscimo produtivo, inclusive concomitante à extinção da Embrafilme, nos anos
90. Desde então, nossa sétima arte vem enfrentando dois extremos.
Vislumbrar-se, numa vertente, as produções com super financiamentos de
concepção mais comercial, e de outro lado, aquelas independentes, de guerrilha,
reafirmando que mesmo diante dos reveses na realização artística em terras
brasileiras, o cinema fantástico e de terror, ainda sobrevive pontualmente.
Mesmo não revestindo-se de feições massificantes no que tange à distribuição ao
grande público, permanece constante e crescente em visibilidade. É o que se
percebe pelos festivais e projetos cinematográficos governamentais ou privados
daqueles que ainda ousam deixar a fera criativa se sobrepor às dificuldades
práticas.
A Première, realizada no dia 05 de julho de 2023
na Cinemateca Brasileira, um dos pontos mais celebrados da cultura nacional,
teve os ingressos esgotados em poucos minutos, celebrando o sucesso de um
projeto que agora, num viés ainda mais nostálgico, chega às mãos dos
colecionadores e entusiastas em edição de luxo lançada DVD. No dia 27 de
novembro, novamente, , o diretor comparece com sua equipe à Cinemateca para o
lançamento de seu novo filme, a antologia de terror “Fitas Proibidas”,
remetendo e homenageando um formato extremamente popular nos anos 80, a partir
da reunião de diferentes histórias interligadas.
Nos anos
90, mais flagrantemente, as noites de sexta-feira eram aguardadas, não apenas
pela antecipação do final de semana, mas pela “passadinha” na videolocadora
para escolher os filmes que seriam devolvidos apenas na segunda. Devidamente
rebobinados, ressalte-se, o contrário seria motivo de multa e cara feia por
parte do atendente que, não raro, era o proprietário. Decerto, inexistia óbice
à locação das fitas durante a semana, mas o consumo diário de cinema e séries
que atualmente se descortina com os serviços de aplicativos, não era tão
palpável. Logo, era mais comum, além de atrativo ao bolso, a visita às centenas
de títulos dispostos nas prateleiras por gênero, numa sexta ou sábado.
Não apenas a escolha, muitas vezes interminável,
marcada pela indecisão ao segurar um estojo de fitas em cada mão, marcava a
rotina dos amantes de cinema. As conversas e debates sobre os lançamentos,
atores, gostos e tendências, de igual forma, era um ritual ansiado, colóquio do
qual o cliente já saia com os títulos da semana seguinte em mente. Bons tempos!
E, com a bem recebida surpresa da disponibilização do título para aquisição
física (já se encontrava nos principais serviços de streaming), um pouco
da aura das décadas passadas também ressurge como aprazível rememoração. “A
Noite das Vampiras”, já está em distribuição a cargo da Busa Filmes e Bernal
Filmes, e teve seu pré-lançamento na Horror Expo de 2024, importante
evento aos amantes do gênero, em esmerado trabalho artístico com arte de Cayman
Moreira, extras, incluindo making of, além de Cd com a trilha sonora,
“conjurada” pelo Asteroides Trio.
A iniciativa, numa época em que a mídia física
tende paulatinamente à extinção, reitera que as iniciativas independentes de
apaixonados pelas artes e a magia das imagens em movimento são o lastro que não
deixa o cinema morrer. De forma recorrente, pontua-se que ao artista, além da
capacidade criativa, agasalham-se as peculiaridades heroicas da ousadia e
coragem. Nesse espaço, conheceremos um pouco sobre a carreira do diretor Rubens
Mello e o processo de filmagem do longa. Fechem as cortinas, apaguem as luzes e
preparem a pipoca e estacas de madeira!
ENTREVISTA:
CONHECENDO O CINEASTA RUBENS MELLO.
Compartilhe
com os leitores um pouco da sua formação e cultivo da paixão pelo cinema. Como
nasceu esse amor pela sétima arte, e, principalmente, o gênero de horror?
Desde pequeno, sempre fui ligado no audiovisual. Grande parte da minha infância e juventude, ao contrário dos vizinhos, que brincavam empinando pipa, jogando bola e outras brincadeiras tradicionais para a época, eu sempre me vi sentado em frente à televisão. Assistia de tudo, desde os programas infantis a filmes e séries de aventura.
Mas o cinema fantástico entrou em minha vida,
quando, aos cinco anos de idade, assisti ao pé da escada, o filme que meus pais
assistiam: “O Fantasma da Ópera”, a versão de 1925 – com Lon Chaney. O
contraste entre a luz e as sombras me assombrou por tempos, nas imagens
oníricas que o filme proporcionou, e que ficarão imersas em meu subconsciente.
O amor pelo fantástico se concretizou com “King Kong”, a versão original, de
1933. Imbatível até nos dias de hoje.
Sabemos que
além de discípulo do saudoso José Mojica Marins, você foi cotado para ser o
substituto do mestre, e com ele desenvolveu uma relação próxima. Conte-nos um
pouco a respeito.
Minha avó morava próximo a “sinagoga” do Mojica,
localizada no bairro do Brás. Era
inevitável cruzar com o “Zé do Caixão” quando íamos visitá-la. Eu, uma criança
de colo com uns três anos de idade, acredito, morria de medo ao ver aquela
figura de negro com unhas enormes.
Com o passar do tempo, desenvolvi o hábito de
acordar de madrugada, para assistir filmes de terror na televisão, cuja
programação vinha numa cessão dedicada a filmes de terror, nos jornais
distribuídos no bairro, e assim, descobri os filmes do “Zé do Caixão”.
Em 1998, descobri, por acaso, que o Mojica procurava um ator que interpretasse
o personagem “Zé do Caixão” no filme que encerraria sua trilogia, o “Encarnação
do Demônio”, que originalmente, se passaria na época dos outros anteriores, “À
meia-noite Levarei sua alma” e “Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver”. O filme
acabou sendo produzido pela Gullane Filmes e Olhos de Cão, que queriam o Mojica
como o personagem, sendo a história alterada para 40 anos depois dos eventos
dos dois primeiros filmes. Mas acabamos
por criar uma relação de amizade incrível, e sempre colaboramos um com o outro
em diversos projetos. Vivia ao seu lado em momentos cotidianos. Íamos ao
mercado, jogávamos na loteria, assistíamos filmes juntos, fazíamos sonhos e
planos e por aí vai. Até fui cobaia de seus experimentos
culinários....risos. São momentos que
levarei para sempre com muito carinho.
Como se
enveredou ao mundo do cinema?
Antes mesmo de conhecer o Mojica, eu já escrevia
histórias e gravava os diálogos com amigos e vizinhos. Meu pai havia construído
para mim uma caixa que eu chamava de “Lanterna Mágica”, que era uma caixa de
madeira com o fundo recortado e uma peça de vidro transparente era colocada no
espaço. Dentro da caixa, tinha duas
manivelas e três lâmpadas, uma azul (para noite) uma branca/amarelada (para
dia) e uma vermelha (para momentos tensos).
Na manivela inferior, eu colocava enrolado um rolo de desenhos colados
sequencialmente, contando uma história, como um quadrinho sem balão de texto,
pois os diálogos, como disse, eram gravados e sonorizados. Aos 16 anos, meu pai ganhou numa rifa um
projetor e uma câmera de super 8, a câmera não funcionava, mas o projetor sim.
Tenho guardado até hoje uma versão do “Dracula”(a versão de 1979) em
película. Depois, acabei ganhando uma
câmera VHS.
Em meados de 2004, se não me falha a memória, a
Liz Marins, filha do Mojica, que tinha um estúdio próximo à Paulista. Nos reuníamos muito lá para assistir filmes,
tomar vinho, fumar narguilé e fomentar arte e cultura.
Numa destas ocasiões, tinha exibido meu média-metragem
‘Lâmia Vampiro”, e a Liz veio conversar comigo. Ela elogiou o filme, elogiou
minha criatividade, mas também disse, que eu tinha capacidade de fazer melhor,
com enquadramentos etc, etc...ela me contou depois que ficou apreensiva sobre
seu comentário, pois eu poderia interpretar mal o conselho dado. Mas ao
contrário, entendi o que ela havia dito e guardei no coração e agradeço por
tudo, pois logo após essa produção, realizei o curta que me deu 4 prêmios- “A
História de Lia”. Inclusive, gravamos uma cena no estúdio dela. Liz é para mim uma irmã e também minha
madrinha no audiovisual. Tudo que sei e que faço, aprendi observando o Mojica e
ouvindo os conselhos da Liz, minha maior incentivadora e apoiadora.
Minha saúde é muito frágil. Sou transplantado há
30 anos e, constantemente estou em hospitais por conta da baixa imunidade e
doenças oportunistas, além de que, em decorrência da medicação que tenho que
tomar, trouxe vários efeitos colaterais...e em todos os momentos, bons e ruins,
ela esteve e está ao meu lado.
Em 2002
dediquei parte da vida participando de filmes publicitários, participei
de alguns curtas e longas metragens como “Carandiru’, ‘Meninos de Kichute’,
“Encarnação do Demônio”. Sigo escrevendo e produzindo minhas histórias, tendo
minha formação também como ator e locutor.
Quais as
dificuldades principais em filmar no Brasil, e como se constrói as etapas de
confecção de um longa-metragem?
O Brasil é um país complexo. Produzir
arte-cultura não é tarefa fácil. Os instrumentos que possuímos, (editais e leis
de incentivo) não são de fácil acesso e geralmente, sempre ganham as “mesmas
cartas marcadas", mas toda regra tem exceção!
Meus filmes são produzidos de forma
independente, ou seja, conto com apoio cultural, e todo o resto sai de meu
bolso. Já tentei duas vezes fazer essas
plataformas de apoio e arrecadações virtuais e
por meio de vaquinhas, mas os apoios sempre foram poucos. Desisti!
A solução era ou põe a mão bolso, ou não
faz. Ai, entra um grande exemplo que é
do próprio Mojica, que vendeu até suas coisas pessoais para realizar o “À Meia
Noite Levarei sua Alma”. E foi assim que realizei meu primeiro longa – “A Noite
das Vampiras", que tem sua estreia agora dia 05/7 na Cinemateca
Brasileira.
As etapas de produção consistem em:
- Argumento/roteiro
- Pré-Produção
- Cronograma/orçamento
- Equipe/elenco
- Ensaios
- Estética
- Decupagem
- Filmagem/produção
- Montagem/Pós-produção
- Festivais/distribuição
A despeito
de termos no Brasil grandes representantes do “Terrir”, união de horror a
“pitadas” cômicas, a exemplo do cineasta Ivan Cardoso, tal vertente do cinema
havia sido negligenciado nas últimas décadas, o que lhe inspirou a conceber o
longa “A Noite das Vampiras” como uma releitura do gênero?
Antes de nos isolarmos por conta da pandemia,
estávamos gravando, em fevereiro de 2020, o que seria meu primeiro longa, o
filme “O Aniversario”
Estávamos na sexta diária e tivemos que
interromper para ficarmos em quarentena.
No início de 2021, escrevi “A Noite das Vampiras”, inspirado por um
curta que editei para a amiga Patty Fang, “Os Crimes da Rua do Arvoredo”. A
ideia era fazer algo descontraído, um típico filme B, mas acho que derrubei
fermento acidentalmente e o projeto cresceu, (risos).
Não quis retornar ao “O Aniversario”, pois a
temática era pesada e cheio de tema tabus. Havia perdido muitos amigos,
inclusive meu guitarrista. Então, queria algo leve, queria rir, descontrair,
estar perto de pessoas que amo e me fazem bem.
Já tiha pensado em Debora Munhyz e Liz Marins "Liz Vamp", e,
numa conversa com a Debora, especulei sobre a possibilidade de a Nicole Puzzi
topar. E que presente foi ela ter dito
sim. Hoje ela mora no meu coração e faz
parte da minha vida. Sou só agradecimentos.
É impossível não relacionar o filme ao Ivan
Cardoso – Mestre do Terrir Nacional – até porque a Nicole já tinha trabalhado
com ele no longa “As Sete Vampiras”.
Como você
vislumbra o cenário atual do cinema brasileiro fantástico, e existe ainda
espaço para os amantes da arte se aventurarem no processo de movie making?
Segundo Carlos Primatti, mestre no horror
Brasileiro, cenário atual é a época mais prolífica, em quantidade, qualidade e
diversidade de propostas do horror no cinema brasileiro ao longo de toda a
trajetória do gênero nas telas, desde o surgimento de Zé do Caixão, na metade
dos anos 1960, passando pelo experimentalismo udigrúdi, o horror
existencialista, o Cinema da Boca, de horror e as comédias e paródias de terror
dos anos 1970 e 80, bem como o cinema da Retomada, dos anos 1990 e 2000.
Atualmente, o cinema nacional circula
mais que nunca fora do país. A disponibilidade de filmes em diversos
formatos – e principalmente formatos digitais – aumentou bastante nos últimos
anos, não apenas em festivais e mostras, mas também em locadoras e serviços de
streaming.
Portanto, o espaço para novas produções existe e
está acessível à produções que tenham um mínimo de qualidade.
Sabemos que além de ator e cineasta, também é
músico. Quais são seus futuros projetos artísticos, seja no cinema ou em outras
veredas criativas?
Penso em retomar “O Aniversário”, também já
tenho o argumento para “A Volta das Vampiras” e um sonho que é realizar “O
Asema”, meu primeiro roteiro para longa, mas de difícil realização por conta de
efeitos e maquiagens. “O Asema – Quando a Noite Chega” é um filme caro.
Também compus algumas canções e estou louco de
vontade de entrar um estúdio para tirar do papel.
A Noite das
Vampiras (2023)
Sinopse: Justine, uma famosa atriz de TV, criada
por pais adotivos, é convidada para conhecer sua família biológica. O encontro
se dá às vésperas de uma festa, que acontece anualmente, para celebrar o
sucesso do açougue gerido pela sua família.
Mas, o que era para ser apenas uma reaproximação com sua verdadeira
família, se torna algo sinistro, onde coisas absurdas acontecem, levando
Justine a conhecer o verdadeiro segredo do sucesso dos negócios da família.
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Elenco:
Debora Munhyz - Lenôra
Nicole Puzzi - Alecsandra
Liz Marins - Caterina
Alice Tarsitano - Justine
Marcio Farias - Eduardo
Petter Baiestorf – Dr. Hellstilingue
Cleiner Micceno – Astolfo Margarino
Dominique Brand – Marcela
Larissa Brito – Camila
Morgana Loren
Asteroides Trio
Equipe Técnica:
Direção e roteiro – Rubens Mello
Assistente Direção – André Okuma/Cleiner Miceno
Direção de Arte -André Okuma
Figurinos - Reiko Otake e Mayumi Otake
(OTAKE-UP)
Fotografia – Nelson Simplício e Wesley Gabriel
Produção e produção executiva - Paulo Aros
Coprodução - Rubens Mello
Direção de Produção: Albino Ventura
Produção DE SET - Filipe Fritos
Assistente Produção - José Lino Silva
Som Direto – Guilherme Andrade
Gaffer – Filipe Fritos
TRILHA Kalau Franco
Efeitos Práticos - Estúdio Marítimo e Rubens
Mello
MAQUIAGEM FX -
Willyam Ferrari, Ales de Lara e Karen Furbino
MAQUIAGEM - Reiko e Mayumi Otake
ANIMAÇÃO –Vinícius Martins
Stopmotion - Moises Pantolfi
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