A guardiã do tempo é a memória, ela é a nossa capacidade de armazenar informações e de sermos o que somos: gente, humanos. O cinema pode ser um dado relevante nessa função, no caso de Steven Spielberg, ela foi a mais sublime de todas, passando por tudo o que uma pessoa comum pode experienciar.

Em Os Fabelmans acompanhamos uma família onde Sammy (Mateo Zoryna Francis- Deford) (Gabriel LaBelle) é o receptor das belas projeções, um garoto fascinado pela sétima arte.

   Ao lado da mãe vivida por Michelle Williams (indicada ao Oscar), do pai interpretado por Paul Dano e dos irmãos, o pequeno passa por dilemas, problemas e tudo o que cerca a infância e a adolescência, sempre com o sonho crescente de quem sabe um dia poder fazer seu próprio filme, ainda que as dificuldades pareçam ofuscar tal meta. Em diferentes épocas marcadas por muitas mudanças, cada vez mais isso parece possível, e o destino parece sorrir para um menino judeu muito sonhador.

   Inspirado na vida do próprio diretor, é mais uma obra autoral, assertiva e que escalou seu elenco da melhor maneira tirando deles o máximo. Paul é o paizão do ano, aquele bem estereotipado quase como um almofadinha, mas que só quer o bem estar de todos. A mãe Michelle é a mais próxima, talvez uma alma infantil assim como a de Sammy, dada à imaginação fértil do filho e ao mesmo tempo, com destaque em outras áreas na vida pessoal que surpreende àqueles menos avisados, talvez uma forma de quebrar expectativas como em vidas de terceiros. Motivo esse de não serem nomeados, creio eu. Quando o que importa é a geração e o compromisso com ela.

   Os irmãos têm seu lugar também, a disputa dentro do núcleo familiar, as atenções; tudo presente e girando em torno da normalidade retratada inúmeras vezes na grande tela, mas aqui é ela a protagonista, a sala de sessão, o projetor, o trabalho por detrás da magia que roda histórias factíveis ou não. Com efeitos visuais ou práticos, com finais felizes ou não, os que nos marcaram a vida como "O Maior Espetáculo da Terra" ou quem sabe um menos badalado de hoje em dia. O cinema precede o realizador, Spielberg prefere se colocar em segundo plano para engrandecer sua maior paixão.

   Se é uma carta de amor ou não, disso não há dúvida, tanto que o filme usa muito bem do humor e passa a mensagem de sucesso bem antes dos créditos finais, no encontro com um John Ford ranzinza de David Lynch. Como um filme tarantinesco, com uma dose ainda que discreta de Almodóvar, sem sangue jorrando resultado de mutilações ou o vermelho arrojado das películas do espanhol, mas com certas caricaturas de personas quase que endeusadas na época, referências que insuflam no nosso Sammy um algo mais para se fazer em Hollywood.

   Eu não tenho dúvida que esse filme levará o Oscar de Melhor Filme, deixo aqui registrado mais de um mês antes da cerimônia. Os Fabelmans é o nosso Cinema Paradiso, é o conto sobre um diretor de seis décadas diferentes com muita coisa a ensinar e ainda nos surpreender. Impossível passar em branco e não ter o reconhecimento ainda que esse ano esteja realmente difícil. Minha a torcida é para que todos se saiam bem, pelo menos os aqui trazidos em texto. Mas Os Fabelmans garantiu maior prêmio pelo menos no meu coração.